quarta-feira, maio 31, 2006

Exclusão social

por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

Muito antes desta anunciada intenção, do Presidente da República e do Governo, de combater a exclusão social, já o nosso Jornal tinha feito o diagnóstico da situação, numa bem conseguida reportagem sobre o fenómeno no Algarve, pondo a nu uma realidade que se tem procurado esconder e esquecer.

Só no espaço de um ano, segundo dados do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de Faro, o número dos sem-abrigo, duplicou na nossa Região e o mais preocupante é que, na sua maioria, são jovens, entre os 20 e os 40 anos. Jovens que caíram na droga, desempregados, dependentes do álcool e, em alguns casos, como acontece com as mulheres, vítimas de violência doméstica.

Neste mundo dos moradores de rua, não faltam, também, os jovens licenciados e alguns que se deixaram iludir pela facilidade de acesso ao crédito e acabaram endividados e despejados das suas casas. Nem essa nova classe de mendigos que vieram do leste da Europa à procura do El Dorado português e acabaram por mergulhar no Inferno.

Se juntarmos a este fenómeno, o aumento crescente de situações de miséria e pobreza - temos dois milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza - o quadro fica ainda mais negro e maiores são as nossas preocupações e a necessidade de uma estratégia nacional que minimize este flagelo.

Percebe-se, assim, melhor, porque é que Cavaco Silva iniciou esta semana o seu "Roteiro pela Inclusão" pelo Algarve e por Alcoutim, um dos concelhos mais pobres do país que luta desesperadamente contra a desertificação humana e o atraso económico a que tem sido condenado.

Mas sendo um imperativo, este movimento que se quer de dimensão nacional em torno da resolução deste problema, estará condenado ao fracasso se subjacente às políticas governativas continuar a estar um lógica neoliberal. De pouco ou nada servirá o meritório trabalho das Instituições Privadas de Solidariedade Social se o Estado se demitir da sua função social.

Se é verdade que, numa lógica de progresso, devemos ter cada vez "menos Estado e melhor Estado", também não é menos verdade que, numa lógica de erradicação da pobreza e de maior justiça social, o Estado não pode deixar de ajudar os mais carecidos.

A lógica do neoliberalismo, muito em voga entre certos políticos conservadores, não faz sentido num país pobre, com profundas assimetrias e muito distante da média europeia. E muito menos, ainda, num país em recessão. Será que se pode promover a inclusão à custa, apenas, da sociedade civil? Uma verdadeira política de inclusão social exige que o Estado garanta a quem não tem recursos um mínimo indispensável a uma existência digna.

A ideia de justiça social não passa por obrigar a pagar, a quem não tem recursos, aquilo que o Estado, constitucionalmente, tem que garantir a todos os portugueses.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

terça-feira, maio 30, 2006

UMA NOTÍCIA, FINALMENTE!

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Olá………… Viva………….. Como vamos nós por cá ?

Hoje, com uma boa notícia….

Mais do que numa crise económica passageira e de conjuntura, o Pais está empancado pelos interesses incrustados de velhas corporações… De facto – e apesar de toda a conversa da entrada na Europa -vivemos ainda uma espécie de neo-corporativismo salazarento a dominar a economia portuguesa. Interesses inscrutados e neo-salazarentos que se constituem como autênticas peias que impedem o desenvolvimento económico que a vida dos Portugueses precisa e sem o qual não sairemos nunca mais desta crise…

Trinta e tal anos depois do 25 de Abril caiu – finalmente – uma destas peias salazarentas. As farmácias deixam de ser uma coutada privada e abrem-se ao mercado. A medida chega pela mão de Sócrates e sobre ela só há uma coisa a dizer – para caso destes, oxalá nunca a Sócrates doam as mãos !

Finalmente, vamos deixar de ter caixas e caixas de medicamentos inúteis em casa. E consumir apenas o que for necessário para a cura. Outra medida que demorou tempo a chegar. Veremos como reage a indústria e as farmácias. E quanto tempo será necessário para a pôr em prática. Mas, seja como for, é outra excelente medida de Sócrates.

Claro que os senhores da corporação chamada associação nacional de farmácias não gostaram da coisa e fizeram tudo para a impedir, como agora fazem tudo para lhe dar um ar polémico…

Porém e como já ouvi a polémica não faz qualquer sentido e os portugueses percebem perfeitamente o que é bom para eles…

Se você pode ter um restaurante, mesmo sem saber estrelar um ovo… e se qualquer um pode comprar uma rádio, sem ser radialista, Qual é então o problema de qualquer um ter uma farmácia não sendo licenciado em farmácia ? Só precisa ter um director técnico qualificado e certicicado….

Com esta liberalização introduzido por Sócrates, com este desmanchar de mais um entrave salazarento, vai haver mais farmácias. Mais farmácias significa mais concorrência e maior e melhor oferta . E como Sócrates estabelece um tecto máximo para os medicamentos mas não um mínimo, até teremos saldos e promoções de remédios.

Este Governo parece, pois, ter entendido o essencial que antes ninguém quis entender: a função de um governo hoje não resolver os problemas da economia (nem tem nenhum instrumento para o fazer…) mas sim resolver os problemas que impedem a economia de funcionar! Só assim sairemos desta crise… Só assim conseguiremos um país realmente novo e democrático, de que nos possamos orgulhar e que nos garante bem-estar e desenvolvimento…

Continue, pois, o Zé Sócrates a cortar a direito… Oxalá.

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, maio 26, 2006

Desemprego traz novas formas de pobreza

por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

Porque a tema é oportuno, vou fazer eco de excertos de um comunicado do Grupo de Trabalho «Economia e Sociedade» da Comissão Nacional Justiça e Paz. Esta entidade está preocupada com o “surgimento de novas formas de pobreza no nosso país”, para as quais, considera que, o desemprego está a contribuir, “bem como para uma maior desigualdade na repartição dos rendimentos”.

No final de um Seminário sobre «O desemprego – um desafio à coesão social e à cidadania», este grupo de trabalho da Comissão Nacional Justiça e Paz, refere que “a coesão social e o exercício efectivo dos direitos de cidadania estão, portanto, em perigo, o que exige um esforço concertado de toda a comunidade nacional, com vista a ultrapassar esta situação”. Um esforço que, salienta, “tem que ser desenvolvido tanto pelos poderes públicos, através da condução de políticas públicas de emprego e formação e qualificação profissional à altura dos novos desafios, como pelos parceiros sociais, promovendo a negociação de condições que favoreçam o aparecimento de mais e melhores empregos”.

Neste sentido, o Grupo de Trabalho «Economia e Sociedade» apela à sociedade civil e de modo particular aos cristãos, para o dever de “não se alhearem da situação existente, exigindo uma atenção acrescida por parte dos poderes públicos no combate ao desemprego e contribuindo, por meio das iniciativas que lhes são próprias, para ajudar os desempregados, designadamente através do reforço das redes de solidariedade e do impulso à economia social”.

Neste Seminário foram analisados dados estatísticos sobre o desemprego em Portugal que “tem vindo a crescer”, testemunhado por quem vive de perto o drama do desemprego. “Se não se conseguir inverter a tendência dos últimos anos (2000-05) – sublinha o comunicado - em breve atingiremos os 500 mil desempregados”. Perante estes números o Grupo de Trabalho «Economia e Sociedade» da Comissão Nacional Justiça e Paz, contesta o “preocupante elevado grau de desaproveitamento de recursos humanos”. “A estes dados há que acrescentar o número dos «inactivos disponíveis» para um emprego e o dos «desencorajados» de o procurar, que não são contabilizados no conceito normalizado de desemprego”.

Segundo o mesmo comunicado “a falta de emprego, sobretudo quando prolongada, acarreta consequências pessoais e sociais muito graves”, que podem levar à “exclusão social”, e “gera tensões sociais e conflitualidade social acrescida, propensão a comportamentos desviantes ou anomia social”.

Os desafios da globalização e das novas tecnologias da informação e as suas consequências para o futuro do trabalho humano também são motivo de preocupação, e constituem um “desafio particularmente difícil de vencer, dado o grau comparativamente baixo das qualificações escolares e profissionais dos trabalhadores”. Para fazer face a esse desafio propõe-se uma aposta “na formação e qualificação dos nossos recursos humanos, fomentando iniciativas de interesse local e nacional, estimulando a capacidade empresarial e o empreendorismo”.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quinta-feira, maio 25, 2006

Regionalização

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Mesmo com as alterações efectuadas à Constituição Portuguesa, nenhum partido teve coragem de banir a regionalização do seu articulado.

A regionalização é um dever constitucional.

Os dois grandes partidos, que dão expressão aos dois terços necessários para mudanças de fundo, tinham obrigação de se sentar à mesa, traçar as linhas gerais das alterações administrativas do Estado e partir para a implantação das regiões.

O que se observa é que o PSD de Durão Barroso, com Miguel Relvas, mascarou o país com uma espécie de descentralização, avançando para as comunidades urbanas e áreas metropolitanas.

Uma salgalhada. Como se pode compreender, por exemplo, que uma terra que sempre pertenceu a Trás-os-Montes queira ficar comunada com o Douro e, ainda hoje, haja concelhos que não estão agrupados?

O Governo da altura instituiu uma espécie de jogo, pondo os municípios a baralhar e a dar de novo, encostando-se ao lado de onde eventualmente sairia mais lucro, numa espécie de microcosmo, como se o futuro se regesse por pequenos espaços e interesses de rua.

Diziam os governantes da altura que era a vontade do povo. O povo tinha uma palavra, através dos seus eleitos, muitos deles procurando, neste jogo do monopólio, os melhores negócios.

Numa atitude anti-Constituição, Marques Mendes sobe ao palanque do seu areópago e defende a organização territorial de Relvas, relegando para plano secundário o anunciado deste instrumento básico e regulador da vida nacional, que obriga à criação das regiões administrativas.

Aliás, no tempo de Cavaco Silva, foi aprovada a Lei Quadro das Regiões Administrativas (Lei nº 56/91 de 13 de Agosto), onde se afirma que as «regiões administrativas são criadas simultaneamente por lei da Assembleia da República (artigo 12º)» e que a sua instituição em concreto, de acordo com este artigo, deverá ter o «voto favorável da maioria das assembleias municipais (artigo 13º)», não mencionando, em nenhum dos seus títulos e artigos, o recurso à figura do referendo.

Marques Mendes não quer a regionalização, mas, sejamos sinceros, será que os outros partidos do poder a quererão? Temos dúvidas.

Os políticos não abdicam do poder que possuem, e descentralizar a governação do país é retirar aos ministros o papel de salvadores da pátria. Retidos no Terreiro do Paço, os governantes sentir-se-iam no papel de figurantes secundários.

Para eles, inaugurar um chafariz, uma estrada, ou discursar no Portugal profundo um mundo de promessas, é o sonho de uma vida. Sentem-se realizados. Interiormente, riem-se por verem estampado no rosto queimado das pessoas um sorriso.

O Partido Socialista começou a falar em cinco regiões, uma divisão aceitável para um país pequeno e que tem a ver com a nossa geografia. O Governo socialista não nega a regionalização.

Não tem coragem para chegar tão longe, e promete um referendo para a próxima legislatura. Que tanto pode ser em 2009, como em 2013. O jogo das palavras é algo que os políticos gostam de praticar.

Quando não há compromissos por conveniência, nada melhor do que afirmar, com evasivas, utilizando palavras de significado amplo, como o de legislatura, cujo tempo é de quatro anos.

Com a Lei Quadro das regiões administrativas promulgada, porque não utilizar o documento e avançar na Assembleia da República com uma lei que crie as regiões?

A figura do referendo serve para mascarar a democracia e empatar qualquer decisão. Não tenhamos dúvidas, e disso o presente já é demonstrativo, haverá sempre duas facções – os contra e os a favor.

Porquê referendar o que é óbvio, quando a própria União Europeia começa a pender as suas políticas para as regiões, em prejuízo dos projectos dos municípios isolados?

Perante a falta de um poder instituído, eleito pelo povo, é difícil programar o desenvolvimento de uma região como o Algarve, onde se conjugam os interesses de dezasseis concelhos e as assimetrias existentes são relevantes entre o litoral e a serra.

Ninguém abdica de uma pequena partícula do seu poder de decisão. A política regional tem na região dois patamares para programar a sua política – a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e a Associação de Municípios.

Estes dois órgãos deviam, por motu proprio, desenvolver projectos para conjuntos de concelhos, propondo-os a essas comunidades, como transportes urbanos comuns, áreas de lazer abrangentes e muitos outros.

Há que forçar, no bom sentido, os municípios a saírem do seu isolamento capelista, para políticas comuns, como forma de sensibilizar as populações para o verdadeiro significado da regionalização.

A capacidade de promover a subsidiariedade é meio caminho andado para obtermos o estatuto pleno de região.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

quarta-feira, maio 24, 2006

Regredimos para os anos 50

por José Manuel do Carmo (professor da Universidade do Algarve e membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda)

Quando as pontes caíram em Portugal, descobriram que a de Tavira, na 125, também estava em perigo. O Instituto das Estradas de Portugal mandou proibir a passagem de pesados por cima da ponte e fazê-los passar por dentro da cidade. Um caos!

Mandou também estabelecer um limite de velocidade de 30Km. O Presidente da Câmara zangou-se e conseguiu convencer o IEP a mudar o limite de velocidade para 70Km. Com que critério é que definiram que deveria ser 30 ou 70? Afinal o limite de 30 ou de 70 é uma questão de disposição.

Mas o tempo passou e arranjar a ponte é que não havia meio. Alguém que explique porque é que o Estado que tem um organismo chamado Instituto das Estradas, cuja função é arranjar as estradas, não arranja a única estrada nacional que passa por aqui. Durante a campanha eleitoral autárquica trouxemos o deputado Francisco Louçã para chamar a atenção para alguns pontos negros deste Concelho.

Quisemos chamar a atenção para o facto da ponte de Tavira sobre a 125 estar a cair e por feliz coincidência, certamente por coincidência, ela começou a ser reparada semanas depois. Agora que a arranjaram está, na prática, na mesma, certamente por azar nosso! O tráfego de pesados continua a atravessar Tavira. Regredimos para os anos 50.

Fez o ano passado 100 anos sobre a inauguração da linha-férrea. Seria motivo de festa, mas com alinha que temos a CP não tem coragem para festejos. A mesma linha há 100 anos. Mas pelo menos, a ponte da linha-férrea não está a cair. Vá lá!

Temos comboios dos anos 50. Andamos à velocidade dos anos 50. De Tavira a Faro a 40 km/hora. Regredimos mesmo para os anos 50. Mas para alguns, Tavira está melhor todos os dias.

Deixe lá, gastamos o dinheiro para ter um dos melhores estádios de futebol.
E você caro leitor. Está confortável com o sentido que o seu voto tem levado? Eu não.

NOTA: Os comentários de José Manuel do Carmo são emitidos todas as quartas-feiras, às 7 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.

Escola e ideologia

por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

A ministra da Educação veio esta semana a Faro dizer que " o Algarve está na primeira linha do reordenamento da rede escolar ". Nos últimos cinco foram construídas mais salas de aula, novas bibliotecas e refeitórios e, mesmo ao nível do 2.º e 3.º ciclos, algumas escolas conheceram obras de beneficiação.

Contudo, se analisarmos os indicadores da educação, constatamos que o Algarve e Portugal continuam com as mais elevadas taxas de insucesso e de abandono escolar da União Europeia, incluindo-se nesta performance negativa o ensino secundário e universitário.

O facto, bastante meritório, de o Algarve ter levado nove alunos à final do Campeonato Nacional de Língua Portuguesa promovido pelo Expresso, em colaboração, entre outros, com o Jornal do Algarve e um deles ter-se sagrado campeão nacional é a excepção que confirma a regra de que o nosso ensino não está concebido para o sucesso, nem as nossas escolas promovem uma bem sucedida diversidade de oferta educativa, como pode sugerir o " Prémio Nacional de Boas Maneiras " conquistado pela Escola EB 2/3 D. José I de Vila Real de Santo António, no âmbito dos currículos alternativos que, com êxito, tem vindo a ministrar, sobretudo na área de hotelaria e restauração.

Se estes dois factos traduzissem a realidade do país, podia parecer que estávamos no caminho certo no domínio da educação, com uma escola que ao mesmo tempo que responde às necessidades e expectativas dos alunos mais exigentes, é capaz de integrar, também, numa oferta alternativa, os que revelam menor capacidade e motivação.

Infelizmente esta não é, ainda, a escola que temos. A tal "escola para todos" que, embora, respondendo à natural massificação do ensino, fruto do processo de democratização do país e da integração europeia, fosse capaz de compatibilizar currículos regulares e alunos com metas mais elevadas com cursos mais técnicos, apontando para uma saída profissional, valorizando-os e dignificando-os, de igual modo.

Uma escola com um corpo docente estável, acarinhado e motivado, com equipamento e espaços adequados a actividades extra-lectivas e de complemento curricular, com um estreito envolvimento dos pais e encarregados de educação no quotidiano escolar, com uma ligação ao meio onde está inserida e preparada para apoiar alunos com carências e problemas.

José Sócrates disse esta semana no Parlamento que, em matéria de educação, o país precisa de "menos ideologia" e "mais resultados", mas será possível reflectir sobre o tema sem pensar que a Escola reflecte a sociedade, nas suas contradições, diferenças sociais, exclusão e violência, e que estes são problemas de natureza ideológica que exigem, também, respostas no plano das ideologias.

Será que podemos pensar numa escola onde todos os alunos tenham as mesmas oportunidades para o sucesso quando temos, segundo dados da Comissão Europeia, dois milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza e muitos alunos só têm uma única refeição quente, que é o almoço na cantina da escola? Será que podemos aspirar a uma escola de sucesso com tão gritante desigualdade social? Os resultados estão à vista e atiram-nos para a cauda da Europa.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

terça-feira, maio 23, 2006

Crónica n.º 7

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Olá…Viva…Como vamos nós por cá…?

Menos mal que a coisa ainda não desafina tanto como em S. Paulo…

Falemos, pois, dos horríveis acontecimentos de S. Paulo, no Brasil… S. Paulo, a capital económica do Brasil, mais de uma dezena de milhões de habitantes na cidade – mais, portanto, que os que tem Portugal – tudo posto a ferro e fogo pelas acções terroristas do partido do crime…

O que é que correu ou corre mal nisto? Como chegámos a estas cenas de bandidos a caçar e matar policias? Os cidadãos trancados e aterrorizados em casa, os autocarros a arder… A economia posta de pantanas, o investimento a bater em retirada e os turistas a fugir a 7 pés…? Como é possível?

É possível e era previsível dado que políticos e autoridades não queriam ver o que se preparava diante dos seus olhos…
Exactamente como acontece aqui entre nós, no Algarve… A insegurança tem vindo a crescer – é mesmo o indicador com mais performance… - e ninguém parece preocupado… As máfias instalam-se no Algarve – a russa, a italiana, a chinesa – e ninguém parece preocupado…

É esta cegueira – a dos que não vêem e não querem ver – que conduz ao desastre… E - parece – ela está bem instalada no Algarve.

O Estado moderno tem características precisas. Ou seja, nós pagamos os impostos e em troca o Estado garante a segurança e serviços básicos.

Se não o fizer, rompe com o contrato com os cidadãos.

O que aconteceu em S. Paulo foi uma ruptura do contrato entre o Estado e os cidadãos… O Estado não foi capaz de garantir a segurança dos cidadãos e das suas actividades económicas… É assim que começam os estados falhados e se instala a insegurança generalizada e o reino de máfias e terroristas.

Perceba-se, de uma vez por todas, que a segurança é fundamental para a economia se desenvolver… Por exemplo, se continuarmos a deixar que as máfias e os pequenos delinquentes semeiem confusão e insegurança como será o futuro do Algarve… Quem virá aqui investir…? Que turistas teremos?

No estado de direito, as policias e autoridades têm de ter a força necessária para combater o crime e as máfias… Foi o que não se verificou em S. Paulo.

E aqui… Como queremos que seja?

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

segunda-feira, maio 22, 2006

Dar voz à democracia

por Jamila Madeira (economista e deputada do PS no Parlamento Europeu)

Aprovámos o princípio do reconhecimento da solidariedade real entre Estados na UE. Para além de termos proposto uma reformulação do Fundo de Solidariedade propusemos igualmente pela mão do Parlamento Europeu três relatórios sobre as diferentes perspectivas das Catástrofes Naturais na União Europeia.

A perspectiva do Desenvolvimento Regional, a perspectiva da Agricultura e a perspectiva do Desenvolvimento Ambiental sustentável são os aspectos considerados cruciais para todos nós. Foi isso que o PE assumiu claramente na sua intervenção por iniciativa própria.

Hoje como outrora, as palavras ficam sempre a meio caminho na sua consequência em termos de acção. Digo isto, sobretudo no particular contexto de termos vivido até agora uma batalha titânica para obter um acordo orçamental 2007-2013 em que estivemos a discutir apenas 1٪ do rendimento do conjunto dos 25 Estados Membros.

Neste contexto, a solidariedade está de fora, quer dizer, o Fundo de Solidariedade está de fora e é por isso financiado por uma verba extraordinária. A ideia é boa pois o princípio é interessante: a solidariedade não tem preço e o seu custo deve ser lateral perante o espírito de entreajuda.

No entanto, a imagem de algum fumo prevalece e a solidariedade desvanece-se neste contexto de egoísmo. Egoísmo pois ao estendermos às catástrofes, que todos alegam cruciais, serem também cobertas pelo fundo, impedimos que sejam tidos em conta o seu efeito sobre os equilíbrios regionais. Deixámos mais uma vez a um critério burocrático a definição do apoio tanto quanto a alguns tipos de calamidade como quanto ao apoio regional. O vulgar tapar a cabeça e destapar os pés: Resultado: gripe.

Gripe, pois isto do bloqueio dos gabinetes sem rosto tem muito que se lhe diga e de democrático tem muito pouco, ou mesmo nada. Prevalece a imagem do amiguismo e do telefonema mais adequado feito pela pessoa certa à pessoa certa... Ora, nada disto dá às instituições qualquer tipo de saúde, só debilidades.

Certamente que quem paga nunca intervirá pelos mais fracos, pelos mais pequenos, pelos mais oprimidos. Isto, só um processo mais democrático e transparente pode fazer.

Claramente que perante a frustração do eterno egoísmo e da eterna falta de transparência só nos resta aguardar pelas profundas modificações de forma que a Constituição Europeia nos vai trazer.

Por tudo isto urge arregaçar as mangas e voltar a dar voz ao processo democrático à luz daquilo que querem os cidadãos.

NOTA: Os comentários de Jamila Madeira são emitidos todas as segundas-feiras, às 7 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.

O Trabalho

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

Hoje não vou falar do dia do trabalhador mas do trabalho, sendo embora o dia o pretexto.

No dia 1 de Maio parece que nos Estados Unidos se comemorou o dia dos imigrantes, numa demonstração da força e importância destes na construção dos Estados Unidos (mas não serão os Estados Unidos um país de imigrantes, só ou quase?). Será que os Estados Unidos nos irão abrir caminhos, apesar de Bush? Será que nos Estados Unidos irá surgir a revolução de que falava Jean François Revel (entretanto falecido esta semana)?

O trabalho como valor social, como se sabe, tem pouco tempo. “O vai trabalhar malandro”, como ofensa, é um jovenzito. Tal honra de cidadania adquire-se com a Revolução Francesa (1789). Até aí, embora já houvesse afloramentos na sua defesa, podemos dizer que não tinha ainda conquistado um valor social e atingido o poder. Foi pois a burguesia, a sua vitória, que trouxe com ela o trabalho como valor social.

É certo que já Lutero havia, no séc. XVI, defendido o trabalho como valor social e se insurgido com o pouco valor social que lhe era atribuído. Veja-se a seguinte passagem “Se perguntares se é uma boa acção exercer o seu ofício e cumprir tudo que for necessário à vida e útil ao bem comum, e se isso agrada a Deus, verás que eles dizem não e restringem o domínio das boas obras à preces, às esmolas ordenadas pela Igreja...” Mas mais ênfase lhe dá Calvino que “Pensais que Deus tenha alguma vez tido prazer com a ociosidade dos homens? Estai certo que não...”

Mas é com a Revolução Francesa que será reabilitado o trabalho. La Fontaine “trabalhai, esforçai-vos .... /Dinheiro, nenhum guardado. Mas o pai foi sábio/ Em mostrar-lhes, antes de morrer,/ Que o trabalho era um tesouro.

Voltaire, no Cândido, descore aquilo que serve à sua personagem, ao descobrir que é pelo trabalho que se alcança a felicidade, daí aquele final “é preciso cultivar o nosso jardim”. Mas Voltaire também diz “O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício, e a necessidade”. Sobre ele próprio e o seu trabalho dizia Voltaire que “o trabalho é muitas vezes fonte de prazer, lamento os que vivem acabrunhados ao peso do seu ócio”.

Daí para cá o trabalho nunca mais deixou de ser um valor. “ O rapaz é boa pessoa e muito trabalhador” ouve-se amiúde. Agostinho da Silva disse que o homem não foi feito para trabalhar mas para criar, mas ele próprio, trabalhador incansável, trabalhava porque ainda era necessário.

Marx e os marxistas também sempre valorizaram o trabalho, elevando-o até valor absoluto, encarnado no operário.

O trabalho intelectual nunca recebeu as boas graças do povo. Aliado a um certo ócio (como os estudantes, que às vezes, fazem por isso), o trabalho intelectual só tinha reconhecimento em certos meios, pelo menos até há pouco tempo. Daí aquela frase famosa da empregada doméstica de Alexandre Herculano. “Era uma excelente pessoa, mas muito malandro: passava os dias a ler e a escrever”.

Eu não gosto muito de trabalhar, mas que fazer?

E viva o trabalho.


NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, maio 19, 2006

Deus caritas est

por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

O Papa Bento XVI apresentou em finais de Janeiro a sua primeira encíclica, “Deus caritas est” (Deus é amor), um texto breve que apresenta, verdadeiramente, a “essência” do Cristianismo. O Papa procura apresentar uma “fórmula sintética da existência cristã”: Deus é amor e os cristãos acreditam nesse amor, fazendo dele a “opção fundamental” da sua vida.

O texto é estruturado em duas partes. A primeira, mais teórica, unifica os conceitos de “eros” (amor entre homem e mulher) e agapé (a caridade, o amor que se doa ao outro); na segunda, centra-se na acção caritativa da Igreja, que apresenta como mais do que uma mera forma de “assistência social”, mas como uma parte essencial da sua natureza.

Esta encíclica é a primeira do Papa e, por isso, a mais aguardada. Todos esperavam ver nela uma espécie de “programa” de pontificado, e, de certa maneira, ele está presente nas linhas da “Deus caritas est”.

O Papa é um líder espiritual e, nesse sentido, Bento XVI apresenta à Igreja o que considera essencial sobre a fé cristã, aquilo que muitos dão por adquirido, mas que tantas vezes esquecem. Não apresenta uma agenda política, com grandes iniciativas e linhas de acção, mas apresenta o horizonte do Cristianismo, o programa de Jesus: amar a Deus e amar o próximo.

A temática do amor é urgente, é eterna, está na origem do homem e espera-o no fim do seu caminho. Tudo isto é dito pelo Papa, com uma linguagem onde ressalta a sua sólida formação teológica, filosófica e cultural, com citações de outros Papas, do Magistério da Igreja, de filósofos da antiguidade e modernos, de escritores clássicos.

O programa de Bento XVI tem sido o combate ao que ele próprio designou a “ditadura do relativismo”. Hoje, em vez de ditar regras e anátemas, o Papa procura responder às perguntas mais profundas da humanidade sobre a sua existência e o seu destino, lembrando que, no final dos tempos, será o amor o critério definitivo para decidir sobre “o valor ou a inutilidade de uma vida”.

Como o próprio reconhece, “num mundo em que ao nome de Deus se associa, às vezes, a vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência”, falar de Deus como amor “é uma mensagem de grande actualidade e de significado muito concreto”.

Deus é apresentado, nesta encíclica, como “Criador do Céu e da Terra”, “fonte originária de todo o ser”, “Deus de todos os homens”, como Deus que “é amor que perdoa” e se apaixona pelo seu Povo, apontando-lhe o caminho do “verdadeiro humanismo”.

A existência de Deus não limita a liberdade nem a realização pessoal do homem. “A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio”, escreve.

Contra as correntes de espiritualidade que se vão tornando cada vez mais populares nos nossos meios, a encíclica refere que “a unificação do homem com Deus – o sonho originário do homem (...) não é confundir-se, não é afundar-se num oceano anónimo do divino”.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quinta-feira, maio 18, 2006

A política tem destas coisas

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

A política tem destas coisas. O que ontem era válido e motivo de luta para um partido, hoje pode ser considerado puro oportunismo político e desvalorizado por esse mesmo partido, mesmo que os fins a atingir sejam os mesmos.

Vem isto a propósito do movimento que os comunistas de Alcoutim lançaram na Assembleia Municipal, órgão eleito pelo povo, decretando que o 13 de Maio seria o «Dia pela Ponte». Convocaram para o efeito uma manifestação, onde foi redigido um manifesto reivindicativo da construção da ponte que um dia há-de unir Alcoutim a San Lucar. Os social-democratas aprovaram e os socialistas votaram contra, alegando que não alinham em oportunismos políticos. A política tem destas coisas. Os politiqueiros vivem o momento de acordo com dois estados – se são poder, nada de causar ondas ou reivindicações que atrapalhem os governantes; se estão na oposição, vale tudo, desde que o adversário seja incomodado, mesmo sabendo que aquilo que apregoam pode não ser totalmente verdade ou estar despropositado no momento. A máxima é – fazer sofrer o adversário, sempre que possível. Daí que o povo, na sua sabedoria, diga muitas das vezes que a política é porca.

Há pouco mais de uma semana, veio ao Algarve o ministro Mário Lino, clamando aos quatro ventos, a propósito da construção do TGV e das SCUT, que o PSD ontem tinha uma posição, mas hoje passou a ter outra. No fundo, eram uns desavergonhados, dizia o ministro. Foi mesmo dizendo que o partido tinha uma atitude na direcção nacional, mas os seus dirigentes locais optavam por a contrariar. Isto é, não eram seguidistas, logo não tinham vergonha.

Os socialistas alcoutenejos já se esqueceram que foram os primeiros a colocar um marco simbólico no local onde a ponte deverá ser construída, e que continuaram a reivindicar a sua construção em documentos recentes. Mas também sabem, porque já lhes foi dito, que não há hipóteses nos próximos anos de avançar com essa ligação, porque não há dinheiro e os espanhóis não estão minimamente interessados em investir nessa região, preferindo fazê-lo mais próximo de Mértola. Mas a realidade esconde-se, com uma promessa hoje, uma conversa entre a Andaluzia e o Algarve, um comunicado do Instituto de Estradas atirando as culpas para os espanhóis, tudo para en-canar a perna à rã.

Se o movimento nasceu na Assembleia Municipal, deveria ter tido o consenso de todas as forças partidárias e a população de San Lucar deveria ter sido convocada para estar presente.

E repetir o «Dia pela Ponte» no lado de Portugal e no lado de Espanha. Envolver as gentes e não os partidos. No 13 de Maio de 2007, a Assembleia Municipal de Alcoutim deve marcar de novo o «Dia pela Ponte», mas trazer nuestros hermanos para a ribalta e levar a reivindicação para Espanha, para que a ponte não continue, eternamente, a ser uma miragem.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

quarta-feira, maio 17, 2006

Os califas e a regionalização

por José Manuel do Carmo (professor da Universidade do Algarve e membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda)

Noutro momento, liguei a Regionalização com o 25 de Abril.

Mas afinal porque é que a regionalização ainda não existe se ela é a continuidade do processo democrático, está inscrita na Constituição e a própria integração europeia obrigou à criação de cinco regiões administrativas?

Em Portugal o processo de construção do edifício democrático teve um precalço!

Cometeram o erro de promover eleições locais antes da concretização do processo democrático regional. Depois de se verem eleitos, os 16 Presidentes de Câmara do Algarve assumiram o poder e não estão dispostos a partilhá-lo com ninguém! Foi esvaziada por completo a função de Governador Civil, efectivamente um fóssil do regime fascista, ainda por cima escolhido com a consulta informal dos Presidentes de Câmara. Transformaram a CCDRAlgarve num mero aparelho técnico, cuja direcção é indicada pelo Governo, mas com a subtil tutela das Câmaras.

O Conselho dos 16 califas gere o Algarve e a AMAL (esta ou a anterior) não é mais que o Senado dos 16 Califas. Foi precisamente por a anterior proposta de Regionalização procurar ser a legitimação do poder não democrático dos 16 califas que muitos algarvios, embora sendo favoráveis à regionalização em geral, tiveram medo daquela regionalização. Mas não temos medo de uma regionalização democrática que seja instrumento de uma reflexão sobre a região e que aponte perspectivas para o seu desenvolvimento económico e social.

Quando se promove um processo eleitoral, em paralelo com as pessoas que dão cara a cada uma das candidaturas, há também um programa com propostas concretas do que deve ser feito. É nesta base que as pessoas votam. As pessoas votaram para eleger os nove deputados do Algarve com base nos respectivos programas e deram a vitória ao Partido Socialista, portanto esperam que os deputados que tem no parlamento concretizem o programa que prometeram nas eleições. Mas o que acontece é que os tais nove deputados andam para lá perdidos e alguns até nem representam o Algarve. Os colegas deputados chamam-lhe “para-quedistas”. Quer dizer que, atirados ao ar de Lisboa, aterraram aqui porque o vento estava Norte!

Na verdade o poder está todo nos Presidentes de Câmara que, efectivamente, não representam o Algarve como uma região, mas apenas cada um dos Concelhos em que foram eleitos com base num programa para o Concelho a que pertencem e não num Programa para a região.

NOTA: Os comentários de José Manuel do Carmo são emitidos todas as quartas-feiras, às 7 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.

terça-feira, maio 16, 2006

Crónica n.º 6

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Olá…Viva…Como vamos nós por cá…?

Vamos que ainda há muita gente que não quis entender o que de há muito é bem conhecido:

Quando a esmola é grande o santo desconfia…!

Desde o conto do vigário à história do vigésimo premiado, passando por outros esquemas em pirâmide, há sempre gente que levada pela ganância e por uma certa vontade de ser esperta, se espalha ao comprido e cai na esparrela que lhe estenderam, como um verdadeiro patinho…

São os xicos espertos… que nunca aprendem… Por mais que vejam!

Viram a Dona Branca, viram outras e caíram nos… selos. Apesar de todos os avisos que da Inspecção da CMVM e do Banco de Portugal saíram nos últimos anos!

Ninguém, nenhum dos xicos espertos que queria ganhar muito e rapidamente, quis ouvir os avisos!

Sei do que falo… Há uns anos avisei uma senhora amiga que ia investir uns milhares de contos…

Olhou para mim e não disse nada. Mas fez um sorriso em que me estava a chamar parvo… Hoje, espero que esteja bem…

Há anos que as autoridades de Espanha e de Portugal seguiam atentamente o esquema… à espera de uma oportunidade.

Foi agora quando os espanhóis estabeleceram a ligação do Fórum Filatélico à lavagem de dinheiro e à corrupção na Costa del Sol…

Mas, curiosamente, ainda ontem as contas da Afinsa em Portugal estavam a ser movimentadas… E aposto que não era para fazer depósitos! Os espanhóis acham, por isso, que em Portugal se reage em câmara lenta… E não deixa de ser verdade!

Mas já agora, quem é que não sabe de outras pirâmides que andam por aqui e até convidam para reuniões de fim-de-semana em hotéis ali para os lados de Huelva…
Que ao menos esta história dos selos nos sirva para trazer de vez a mensagem:

Oh, Santos, desconfiem
quando a escola é grande!

Oxalá…


NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

segunda-feira, maio 15, 2006

Regionalização?!

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

O presidente da Casa do Algarve em Lisboa terá dado uma entrevista ao Jornal do Algarve onde afirma, entre outras coisas, que o Algarve precisava de um Alberto João Jardim. Esta questão não é despicienda. Já a ouvi a muito boa gente. O General, porque de um general se trata, limitou-se a verbalizar o que lhe ia na alma e o que vai na alma de muito boa gente. O Algarve foi sempre um parente pobre do país ( e outras regiões se queixarão do mesmo). O maior investimento público feito no Algarve foi no plano de rega do Sotavento. A regionalização poderia ser um factor de desenvolvimento e de maior proximidade entre o poder e o cidadão? Talvez. Mas a regionalização não poderá constituir um perigo precisamente por aquilo que pode acarretar?

Os trinta anos de democracia trouxeram uma realidade indesmentível: o poder autárquico. Mas também sabemos como esse poder, dentro de certos limites, é certo, se tem aproximado de um certo poder absoluto. Ninguém duvida que temos, nos trezentos e tal municípios, afloramentos de caciquismo preocupantes e abundantes. A regionalização não traria o perigo, isso sim, de multiplicar por cinco o números de caciques? De Albertos Joões?

É que ao contrário do que se infere das palavras do Sr. General, não precisamos de Albertos Joões, um alarve engraçado e folclórico (para quem não o atura). É por isso ser possível que a regionalização pode ser um perigo. É que dos passarões que se aprestam a ocupar tal lugar no Algarve, nenhum nos deve merecer muita confiança. E, no resto do país, o mesmo. A regionalização faz cheirar à multiplicação de pavões enfatuados e perigosos, estes surgem como cogumelos, basta darem-lhes oportunidade para surgirem, basta chover um pouco...

O país foi sempre, por razões históricas que não vêm ao caso, centralizado e centralizador. Tal teve sempre grandes opositores. Mas a regionalização também não merece grande confiança. O povo parece preferir ver o poder longe, do que à sua porta. Já votou contra a regionalização. Eu também votei. E eu, se me perguntarem, continuarei a votar contra.

Se o general desta história nos quer levar à regionalização, não é com exemplos destes que nos pode convencer. Mas sendo eu um paisano, que posso eu contra o poder militar? E militar quando pensa, sai.... bombarda!



NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, maio 12, 2006

Convite a visitar Cachopo

por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

Cachopo, terra perdida entre montes e vales no nordeste algarvio, diz a história ter pertencido à coroa e haver memória dela em 1535, como sede de freguesia, fazendo parte, nessa época, do concelho de Alcoutim.

Só em 1836, por força do Decreto-Lei de 6 de Novembro é que Cachopo passou a pertencer ao concelho de Tavira.

Para não recuar muito no tempo vou falar-vos dela no princípio do século XX, altura em que atingiu o apogeu do seu desenvolvimento.

Hoje será difícil às pessoas mais jovens acreditarem que a quase totalidade dos terrenos da serra eram cultivados. Até o mato era recolhido para queimar nas lareiras e aquecer os fornos.

Depois da chamada campanha do trigo, na década de 30, a freguesia era uma das que mais produzia no Algarve. A quase totalidade dos seus habitantes eram lavradores e se muitos apenas semeavam para se auto-abastecerem, outros vendiam quantidades consideráveis da sua produção.

As hortas eram aproveitadas até a último palmo de terra e não era pouca a produção de milho, feijão, tomate e outros produtos hortícolas. Não era necessário comprar produtos fora da freguesia.

Criava-se gado em grande quantidade.

Lembro ainda a cortiça, considerada uma das melhores do mundo, cujo valor na economia da região continua a ser das mais importantes.

As oficinas de ferreiro funcionam não só no fabrico de foices como também na ferragem de animais.

Além desta, existiam também a industria da cera, os sapateiros, os alfaiates, as tecedeiras…

A actividade comercial era muito variada. Existiam numerosas lojas, mercearias e tabernas, onde especialmente ao fim-de-semana se faziam numerosos negócios. No tempo das sementeiras quando se compravam os adubos ou mais tarde quando se vendiam os cereais, juntavam-se em frente dos armazéns dos comerciantes, centenas de animais de carga, conduzidos por almocreves que procediam aos transportes.

No domínio da cultura quase ninguém hoje acredita que em Cachopo houve professores de música e que aqui se criou uma banda composta na sua totalidade por filhos da terra. Esta banda tornou-se importante e abrilhantava não só as festas locais, como era constantemente solicitada para se deslocar a outras localidades do Algarve e Alentejo.

A população, como as estatísticas poderão demonstrar, era ao tempo três vezes maior. Existia farmácia e a freguesia era servida por um médico e um padre a tempo inteiro. Para concluir esta descrição histórica importa comparar o nível de vida dessas populações. Comparado com os padrões de hoje vivia-se salvo algumas excepções, quase na miséria, mas por paradoxal que pareça, nesse tempo as pessoas irradiavam mais felicidade. Um aperto de mão selava um negócio, uma promessa…

Actualmente, retirando a actividade comercial que é diminuta, os valores humanos perduram.

Estamos perante uma freguesia rica em termos culturais e naturais, uma vez que quer as paisagens, quer os vestígios históricos, reflectem grande beleza.

Trouxe este apontamento à antena da Gilão, no sentido de sensibilizar o auditório a visitar a XII Edição da Feira de Artesanato e Produtos da Freguesia de Cachopo, que ocorre nos dias 13 e 14 de Maio.

Numa organização das associações locais e produtores, pretende-se divulgar a cultura, hábitos e tradições, bem como possibilitar o escoamento de produtos.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

terça-feira, maio 09, 2006

Crónica n.º 5

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Olá…Viva…Como vamos nós por cá…?

Nem tudo é mau… Mas… continuamos a perder oportunidades… Este congresso do PS/Algarve, por exemplo, foi uma oportunidade perdida… um congresso nado-morto. Não havia luta pelo poder, Miguel Freitas, como bom aparatchik, tinha tudo controlado e sem oposição… portanto, era uma excelente ocasião para discutir o Algarve… discutir ideias para fazer do Algarve uma região próspera e agradável para viver. Porém…

Diga-me, você, sabe alguma ideia saída deste congresso socialista…? Eu não… Foi portanto mais uma oportunidade perdida…

Este congresso só deu para perceber que, a nível nacional, o PS/Algarve perdeu peso político… Então não havia no Largo do Rato ninguém para vir às Gambelas…? É certo que José Sócrates estava no congresso do PS/Porto… Que o incontornável Jorge Coelho estava ocupado em Lisboa… Mas que diabo! Não havia ninguém disponível além do iberista confesso e ex-comunista… não havia ninguém mesmo do PS?

Enfim… Mário Lino veio dizer que a ligação ferroviária Faro-Huelva será feita… “oportunamente”. Estamos conversados! E da Foupana… Nickles! Também aqui estamos conversados!

O PS merece mais… E o Algarve também!

O congresso encerrou com uma brilhante votação! A lista de 99 membros recolheu pouco mais de uma centena de votos… Ou seja, além dos candidatos, mais uma dúzia de pessoas votou esta lista!... Também aqui estamos conversados!

Mudando de assunto.

A Região de Turismo comprou uma réplica de caravela por 400 mil euros… mas não tem dinheiro para a manter! Está tudo dito, não é verdade?

Enfim, para que nem tudo seja negro, uma nota positiva.
A flor de sal de Tavira foi premiada em Bruxelas pelos grandes chefes europeus da gastronomia… É uma boa notícia e representa uma abertura para a afirmação deste produto algarvio no mercado internacional. É disto que precisamos… Oxalá…

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

segunda-feira, maio 08, 2006

Por uma Europa de progresso social

por Jamila Madeira (economista e deputada do PS no Parlamento Europeu)

No contexto mundial do abrandamento económico e de concorrência desenfreada, sem respeito pelos direitos sociais dos trabalhadores a Europa mais concretamente, o Parlamento Europeu deu um sinal claro de que quer que a Comissão Europeia penalize as empresas que tendo beneficiado de uma ajuda financeira da UE, deslocalizam as suas actividades no prazo de sete anos a contar da atribuição da ajuda.

Para o PE, o objectivo de coesão económica, social e territorial e os objectivos estratégicos de pleno emprego, associados a direitos e ao progresso social são determinantes e devem ser aplicados e respeitados.

Todas a práticas que não contribuem para a sua concretização, como sejam as deslocalizações injustificadas em termos de viabilidade económica ou susceptíveis de acarretar perdas importantes de postos de trabalho, não devem ser apoiadas pela UE. A complementar esta linha, e no âmbito do acordo interinstitucional das Perspectivas Financeiras 2007-2013, o trílogo (Parlamento Europeu, Comissão Europeia e Conselho) criou um instrumento financeiro com 500 milhões/ano a que chamou Fundo de Ajustamento à Globalização.

Este representa uma verdadeira novidade do quadro dos instrumentos financeiros disponíveis e pretende sobretudo apoiar os trabalhadores na sua reintegração urgente no mercado de trabalho, garantindo que esta é, obviamente, uma medida complementar ao apoio imperativo dos Estados Membros nesta matéria. A ideia é muito boa e crucial, o que agora de facto é necessário garantir é que este chega atempadamente às pessoas e funciona de forma eficaz. Para tal é indispensável que os próximos passos a dar sejam os de reconhecer, através de uma análise prospectiva, os "buracos negros" da economia europeia (falamos de regiões ou sectores) e tenhamos para estes casos uma estrutura pré-montada de reacção.

Os europeus e o seu Modelo Social Europeu assim o exigem!


NOTA: Os comentários de Jamila Madeira são emitidos todas as segundas-feiras, às 7 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.

sexta-feira, maio 05, 2006

Parabéns à Gilão FM

por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

A Rádio Gilão comemorou esta semana o seu 20º aniversário.

Estão de parabéns todos aqueles que lançaram mãos a este projecto, dando-lhe dinamismo.

O serviço público prestado à cidade de Tavira, às suas freguesias e a todo o Algarve deve constituir motivo de orgulho. Bem hajam os seus órgãos sociais e demais colaboradores.

Que felicidade para os ouvintes poderem usufruir dos excelentes programas produzidos pelos profissionais da Gilão.

Exorto todos quantos desenvolvem actividade nesta casa a continuarem determinados na difusão de conteúdos que possam contribuir para a edificação de uma sociedade mais justa.

A busca da verdade, uma rigorosa crónica dos acontecimentos, a apresentação honesta dos diferentes pontos de vista, são valores a preservar.

Os programas musicais e todos os outros, sobretudo os direccionados às crianças e jovens, constituam espaços de lazer e de educação para a vida.

Desejo à Rádio Gilão largas dezenas de anos de sucesso. A todos deixo a garantia de ser fiel ouvinte e esperar que esta continue a servir a causa pública.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quarta-feira, maio 03, 2006

Libertem as águas

por José Manuel do Carmo (professor da Universidade do Algarve e membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda)

Foi noticiado que finalmente a União Europeia retirou os últimos obstáculos ao financiamento da construção da Barragem de Odelouca.

Importa que se diga que o projecto de execução tinha importantes deficiências técnicas no que respeita a critérios ambientais, o que levou Bruxelas à suspensão da obra até que o estado português finalmente, mais de dois anos depois, conseguiu entender que estar na Europa não se compadece com a falta de competência técnica em matéria ambiental.

A água foi desde sempre uma limitação estratégica nesta região, todavia é possível conceber uma política de desenvolvimento económico que respeite esta necessidade de modo equilibrado e sustentável.

É sem dúvida necessário aumentar as captações de água à superfície, todavia os responsáveis políticos nada têm feito para o desenvolvimento de um plano estratégico relativamente à água. A falta de rigor técnico que levou a União Europeia a suspender o financiamento é exemplar! Aliás, já a barragem do Funcho custou o dobro do previsto por erros técnicos e a do Arade perde água!

Desde há duas décadas que investigadores vêm reclamando o aproveitamento da pluviosidade através de pequenas barragens nas principais bacias hidrográficas. Um plano deste tipo foi já em tempos encomendado, nomeadamente para as zonas de Tavira e Monchique, tendo no entanto ficado na gaveta. Os estudos mostram que esta solução poderá garantir a duplicação do volume de água retida.

Uma política para a reutilização das águas, poderia garantir uma percentagem elevada da água necessária para regas urbanas e dos golfes.

Todavia o problema não se resolve apenas pelo aumento do armazenamento; é necessário uma política de desenvolvimento adequada. Um turismo ultrapassado, incentivo à monocultura do golfe sem as qualificações técnicas desejáveis, nomeadamente a auto-suficiência em matéria de abastecimento de água; investimento numa agricultura demasiado dependente da água que levou ao longo de anos à abertura de mais de 8000 furos ilegais; desperdício de águas pluviais em zonas urbanas; políticas municipais pouco racionais com desperdício em roturas e jardins cerca de 40% da água, entre outros aspectos, levam a que este problema seja recorrente.

A situação é grave, mas existe o conhecimento para a resolver.

NOTA: Os comentários de José Manuel do Carmo são emitidos todas as quartas-feiras, às 7 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.

terça-feira, maio 02, 2006

Três referências

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Olá… Viva… Como vamos por cá…?

Para perceber melhor em que ponto estamos, permitam-me que cite aqui hoje três dos mais lúcidos portugueses vivos…

Primeiro, o meu amigo António Barreto.

Lembro-me bem de há uns anos atrás ter tido um pequeno debate com o António Barreto sobre o esgotamento do “parlamentarismo” à portuguesa… O António achava então que apesar de tudo ainda havia alguma coisa a esperar dali e contrariava a minha proposta de reforço da componente presidencial do regime com alteração do modo de eleição dos deputados e reforço da vocação legislativa e fiscalizadora do Parlamento… Ou seja, acabar com o actual presidencialismo de primeiro-ministro que anula o Parlamento e transforma os deputados em pobres diabos… O presidente da república assumirá o seu papel, deixando de ser um mero corta-fitas e o Parlamento, os senhores deputados eleitos por círculos uninomimais também terão de assumir o seu, enquanto o governo… governa.

Bom… hoje o meu amigo António Barreto está mais crítico com este parlamentarismo à portuguesa que eu alguma vez estive… Diz ele:

«O Parlamento português não descansa. Quando pode fazer triste figura, faz. Quando pode evitar um disparate, não evita. Quando não há nada que fazer, tem uma invenção, em geral uma asneira. Depois da cena das faltas, logo se seguiu uma indecorosa discussão a propósito de uma votação. Uns deputados não estavam presentes, outros não sabiam votar. As máquinas estavam avariadas e as contas não batiam certo. Foram duas ou três horas de polémicas vivas, do tipo das que já quase não ser fazem no Mercado do Bolhão. “

Por seu lado, Vasco Pulido Valente explica aos portugueses que não há milagres:
«Não se pode pedir a Sócrates que de repente corrija a disformidade e o abuso em que se tornou o Estado português. Não se pode pedir a Sócrates que anule num ano o perverso trabalho de trinta. Nem se pode pedir que programas como o PRACE e o Simplex, que têm semanas, produzam imediatamente um efeito visível. Mas com certeza que se pode pedir ao governo consequência política. Quando há um "forte" aumento da despesa corrente primária e, em particular, um aumento da despesa com pessoal, em parte atribuível à contratação de novos funcionários, o primeiro-ministro entenderá que, mesmo com a maior a boa vontade, a confiança não resiste. É assim que se chega ao "pântano" a que chegou Guterres: prometendo cem vezes medidas drásticas, para pouco a pouco acabar na dilação e na paralisia.»

Finalmente, o senhor Presidente da República.

Economista perspicaz, Cavaco Silva percebeu já que a economia portuguesa, mercê das politicas económicas tipo conservador de museu dos últimos 30 anos (as dele incluídas…) só pode produzir, nos próximos tempos desemprego e empobrecimento geral das famílias… Essa é a factura da modernização, sempre adiada, e é uma factura a pagar à cabeça…

Daí que ele proponha o óbvio e venha ao encontro de Sócrates mas simultaneamente instalando-se no seu terreno, o das preocupações sociais, o da luta contra toda a exclusão social que a economia vai produzir nos próximos tempos.

Assim, Cavaco Silva fez do combate à exclusão social o tema central do seu discurso na sessão solene que assinalou no Parlamento os 32 anos do 25 de Abril.

"Não quero fazer um roteiro contra o Governo. Quero fazer um roteiro com o Governo e com as instituições públicas que se empenham e têm feito um bom trabalho no combate à exclusão", salientou Cavaco Silva… Ainda bem !

Parecem estar reunidas condições mínimas para, finalmente, tirarmos Portugal deste pântano em que anda mergulhado e modernizar, finalmente, o Estado, a política e a economia… A ver vamos, que assim dizia o cego! Oxalá…

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

segunda-feira, maio 01, 2006

O Livro - II

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

Tinha deixado no ar a possibilidade de voltar ao livro, como objecto cultural por excelência.

No século IV Santo Agostinho ficou espantando por ver Ambrósio, bispo de Milão, ler sem mexer a língua e os lábios. Ainda que haja referências anteriores, tal facto marca a primeira referência credível da leitura silenciosa. Até aí a leitura era em voz alta. Faz-me lembrar as leituras do jornal O Século feito pelo Sr. Virgílio Encarnação em Santo Estêvão aos seus clientes.

Mas a leitura silenciosa teve também algumas consequências importantes. É que tal leitura permitiu que cada um fizesse a sua interpretação do que lia. Até ai as heresias estavam circunscritas. A partir das leituras solitárias surgiram interpretações díspares dos livros sagrados e, daí, Luteros e outros surgiram por esse mundo. O fim da leitura colectiva acabou com as interpretações únicas. Quem quiser e tiver pachorra leia Uma História da Leitura de Alberto Manguel.

Sendo Portugal um país em que a leitura está nos antípodas das preocupações sociais, ostentando nós a suprema insígnia do país mais ileterado da Europa, podemos contudo tentar que esta coisada se modifique.

No século XIX, segundo consta, entre centenas de religiosos na Madeira, haveria duas Bíblias. Um reflexo do nosso país, de resto.

Daniel Pennac escreveu um livro muito interessante chamado Como um Romance.

Aí, depois de considerar que o verbo ler não suporta o imperativo, o autor fala dos direitos do leitor. E, nesses, Daniel Pennac enumera o direito de não ler; o direito de saltar páginas; o direito de não acabar um livro; o direito de reler; o direito de ler não importa o quê; o direito de amar “herois” dos romances; o direito de ler não importa onde; o direito de saltar de livro em livro; o direito de ler em voz alta; o direito de não falar do que se leu. Como se vê, o autor tenta sempre, no amor pelo livro, justificar o não leitor. Ler deve ser um prazer, em resumo. Mas que devemos sempre tentar, insistir e ser chatos.

Somos um país de ignorantes em que se faz gala de não ler. Sei que os leitores compulsivos são também uma espécie abominável. Mas não procure desculpas para não ler. Fica-lhe mal, basta a ignorância dos nossos dirigentes, não se junte a eles. A propósito: qual o último livro que o nosso presidente e o nosso primeiro leram?

Até para a semana.

NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.