segunda-feira, maio 01, 2006

O Livro - II

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

Tinha deixado no ar a possibilidade de voltar ao livro, como objecto cultural por excelência.

No século IV Santo Agostinho ficou espantando por ver Ambrósio, bispo de Milão, ler sem mexer a língua e os lábios. Ainda que haja referências anteriores, tal facto marca a primeira referência credível da leitura silenciosa. Até aí a leitura era em voz alta. Faz-me lembrar as leituras do jornal O Século feito pelo Sr. Virgílio Encarnação em Santo Estêvão aos seus clientes.

Mas a leitura silenciosa teve também algumas consequências importantes. É que tal leitura permitiu que cada um fizesse a sua interpretação do que lia. Até ai as heresias estavam circunscritas. A partir das leituras solitárias surgiram interpretações díspares dos livros sagrados e, daí, Luteros e outros surgiram por esse mundo. O fim da leitura colectiva acabou com as interpretações únicas. Quem quiser e tiver pachorra leia Uma História da Leitura de Alberto Manguel.

Sendo Portugal um país em que a leitura está nos antípodas das preocupações sociais, ostentando nós a suprema insígnia do país mais ileterado da Europa, podemos contudo tentar que esta coisada se modifique.

No século XIX, segundo consta, entre centenas de religiosos na Madeira, haveria duas Bíblias. Um reflexo do nosso país, de resto.

Daniel Pennac escreveu um livro muito interessante chamado Como um Romance.

Aí, depois de considerar que o verbo ler não suporta o imperativo, o autor fala dos direitos do leitor. E, nesses, Daniel Pennac enumera o direito de não ler; o direito de saltar páginas; o direito de não acabar um livro; o direito de reler; o direito de ler não importa o quê; o direito de amar “herois” dos romances; o direito de ler não importa onde; o direito de saltar de livro em livro; o direito de ler em voz alta; o direito de não falar do que se leu. Como se vê, o autor tenta sempre, no amor pelo livro, justificar o não leitor. Ler deve ser um prazer, em resumo. Mas que devemos sempre tentar, insistir e ser chatos.

Somos um país de ignorantes em que se faz gala de não ler. Sei que os leitores compulsivos são também uma espécie abominável. Mas não procure desculpas para não ler. Fica-lhe mal, basta a ignorância dos nossos dirigentes, não se junte a eles. A propósito: qual o último livro que o nosso presidente e o nosso primeiro leram?

Até para a semana.

NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

De facto, o índice de leitura em Portugal é alarmante.
Os hábitos de leitura estão na gaveta...
Onde iremos parar?

8:16 da tarde  

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