sexta-feira, maio 19, 2006

Deus caritas est

por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

O Papa Bento XVI apresentou em finais de Janeiro a sua primeira encíclica, “Deus caritas est” (Deus é amor), um texto breve que apresenta, verdadeiramente, a “essência” do Cristianismo. O Papa procura apresentar uma “fórmula sintética da existência cristã”: Deus é amor e os cristãos acreditam nesse amor, fazendo dele a “opção fundamental” da sua vida.

O texto é estruturado em duas partes. A primeira, mais teórica, unifica os conceitos de “eros” (amor entre homem e mulher) e agapé (a caridade, o amor que se doa ao outro); na segunda, centra-se na acção caritativa da Igreja, que apresenta como mais do que uma mera forma de “assistência social”, mas como uma parte essencial da sua natureza.

Esta encíclica é a primeira do Papa e, por isso, a mais aguardada. Todos esperavam ver nela uma espécie de “programa” de pontificado, e, de certa maneira, ele está presente nas linhas da “Deus caritas est”.

O Papa é um líder espiritual e, nesse sentido, Bento XVI apresenta à Igreja o que considera essencial sobre a fé cristã, aquilo que muitos dão por adquirido, mas que tantas vezes esquecem. Não apresenta uma agenda política, com grandes iniciativas e linhas de acção, mas apresenta o horizonte do Cristianismo, o programa de Jesus: amar a Deus e amar o próximo.

A temática do amor é urgente, é eterna, está na origem do homem e espera-o no fim do seu caminho. Tudo isto é dito pelo Papa, com uma linguagem onde ressalta a sua sólida formação teológica, filosófica e cultural, com citações de outros Papas, do Magistério da Igreja, de filósofos da antiguidade e modernos, de escritores clássicos.

O programa de Bento XVI tem sido o combate ao que ele próprio designou a “ditadura do relativismo”. Hoje, em vez de ditar regras e anátemas, o Papa procura responder às perguntas mais profundas da humanidade sobre a sua existência e o seu destino, lembrando que, no final dos tempos, será o amor o critério definitivo para decidir sobre “o valor ou a inutilidade de uma vida”.

Como o próprio reconhece, “num mundo em que ao nome de Deus se associa, às vezes, a vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência”, falar de Deus como amor “é uma mensagem de grande actualidade e de significado muito concreto”.

Deus é apresentado, nesta encíclica, como “Criador do Céu e da Terra”, “fonte originária de todo o ser”, “Deus de todos os homens”, como Deus que “é amor que perdoa” e se apaixona pelo seu Povo, apontando-lhe o caminho do “verdadeiro humanismo”.

A existência de Deus não limita a liberdade nem a realização pessoal do homem. “A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio”, escreve.

Contra as correntes de espiritualidade que se vão tornando cada vez mais populares nos nossos meios, a encíclica refere que “a unificação do homem com Deus – o sonho originário do homem (...) não é confundir-se, não é afundar-se num oceano anónimo do divino”.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.