segunda-feira, maio 22, 2006

O Trabalho

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

Hoje não vou falar do dia do trabalhador mas do trabalho, sendo embora o dia o pretexto.

No dia 1 de Maio parece que nos Estados Unidos se comemorou o dia dos imigrantes, numa demonstração da força e importância destes na construção dos Estados Unidos (mas não serão os Estados Unidos um país de imigrantes, só ou quase?). Será que os Estados Unidos nos irão abrir caminhos, apesar de Bush? Será que nos Estados Unidos irá surgir a revolução de que falava Jean François Revel (entretanto falecido esta semana)?

O trabalho como valor social, como se sabe, tem pouco tempo. “O vai trabalhar malandro”, como ofensa, é um jovenzito. Tal honra de cidadania adquire-se com a Revolução Francesa (1789). Até aí, embora já houvesse afloramentos na sua defesa, podemos dizer que não tinha ainda conquistado um valor social e atingido o poder. Foi pois a burguesia, a sua vitória, que trouxe com ela o trabalho como valor social.

É certo que já Lutero havia, no séc. XVI, defendido o trabalho como valor social e se insurgido com o pouco valor social que lhe era atribuído. Veja-se a seguinte passagem “Se perguntares se é uma boa acção exercer o seu ofício e cumprir tudo que for necessário à vida e útil ao bem comum, e se isso agrada a Deus, verás que eles dizem não e restringem o domínio das boas obras à preces, às esmolas ordenadas pela Igreja...” Mas mais ênfase lhe dá Calvino que “Pensais que Deus tenha alguma vez tido prazer com a ociosidade dos homens? Estai certo que não...”

Mas é com a Revolução Francesa que será reabilitado o trabalho. La Fontaine “trabalhai, esforçai-vos .... /Dinheiro, nenhum guardado. Mas o pai foi sábio/ Em mostrar-lhes, antes de morrer,/ Que o trabalho era um tesouro.

Voltaire, no Cândido, descore aquilo que serve à sua personagem, ao descobrir que é pelo trabalho que se alcança a felicidade, daí aquele final “é preciso cultivar o nosso jardim”. Mas Voltaire também diz “O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício, e a necessidade”. Sobre ele próprio e o seu trabalho dizia Voltaire que “o trabalho é muitas vezes fonte de prazer, lamento os que vivem acabrunhados ao peso do seu ócio”.

Daí para cá o trabalho nunca mais deixou de ser um valor. “ O rapaz é boa pessoa e muito trabalhador” ouve-se amiúde. Agostinho da Silva disse que o homem não foi feito para trabalhar mas para criar, mas ele próprio, trabalhador incansável, trabalhava porque ainda era necessário.

Marx e os marxistas também sempre valorizaram o trabalho, elevando-o até valor absoluto, encarnado no operário.

O trabalho intelectual nunca recebeu as boas graças do povo. Aliado a um certo ócio (como os estudantes, que às vezes, fazem por isso), o trabalho intelectual só tinha reconhecimento em certos meios, pelo menos até há pouco tempo. Daí aquela frase famosa da empregada doméstica de Alexandre Herculano. “Era uma excelente pessoa, mas muito malandro: passava os dias a ler e a escrever”.

Eu não gosto muito de trabalhar, mas que fazer?

E viva o trabalho.


NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.