quarta-feira, fevereiro 28, 2007

A propósito de energia Solar


por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

O anúncio da construção de uma central solar em Tavira, capaz de produzir electricidade suficiente para abastecer uma população de 12 mil habitantes, traz-nos à memória a meta de instalação de um milhão de metros quadrados de colectores solares térmicos, em Portugal, até 2010 e quão longe estamos desse objectivo. Sendo o nosso país, um dos que na Europa regista maior incidência de radiação solar, particularmente o Algarve e o Alentejo, que chegam a ter cerca de três mil horas de sol por ano é, paradoxalmente, um dos que regista, também, menor aproveitamento deste recurso renovável, bastante vantajoso em termos de custos de exploração e amigo do ambiente e do combate ao défice público, por diminuir a utilização dos combustíveis de origem fóssil.

E se até há incentivos de natureza fiscal e financeira, resultantes da instalação deste tipo de equipamentos, com deduções no IRS de 30 por cento do custo do investimento e apoios monetários que podem chegar a 40 por cento das despesas elegíveis, então porque é que estamos tão atrasados relativamente aos outros? O problema parece residir, fundamentalmente, na falta de uma informação convincente junto dos consumidores, quer do cidadão comum quer das empresas, que os faça perceber que o que se paga a mais no custo dos equipamentos e da instalação poupa-se, depois, nos custos de exploração, consideravelmente mais baixos que os dos sistemas convencionais, sobretudo após os sucessivos aumentos do preço do petróleo, da electricidade e do gás.

Face às estatísticas dos últimos dez anos e ao desconhecimento que a maioria dos portugueses ainda revela sobre este tema, só uma maior aposta informativa e promocional – até agora a publicidade na TV e na imprensa foi meramente pontual - por parte das entidades com responsabilidades nesta área poderá ajudar a inverter a actual tendência. Caso contrário, mesmo com experiências inovadoras em Tavira, o país continuará a marcar passo, neste como em muitos outros domínios. Antes, há mais de duas décadas, já Vale da Rosa, no concelho de Alcoutim, tinha sido pioneira, na instalação de uma central fotovoltaica e tudo continuou na mesma.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Atraso de vida

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Há qualquer coisa que vai muito mal neste reino do Algarve… Qualquer coisa que transforma este nosso paraíso num atraso de vida. Posso arranjar milhentos exemplos. Mas apenas vou referir um que concentra bem tudo o que há de mau, errado e, obviamente, bloqueador do desenvolvimento. Um exemplo de como se organiza não o bem comum, a segurança e o desenvolvimento, mas…O atraso de vida. O atraso de vida de todos nós… Que em vez de vivermos bem, vemos este nosso Algarve marcar passo e, portanto, não sair da pobreza e estar cada vez mais na insegurança.

Um exemplo deste atraso de vida é o projecto Verde Lago. Há bem 30 anos, um empresário finlandês decidiu investir no Algarve uns largos milhões de contos e arrancar com um projecto turístico de qualidade. Há bem 30 anos… Ainda não há nada feito. Pelo caminho, que tem sido um verdadeiro calvário, a empresa finlandesa faliu e o homem suicidou-se. Tudo porque não foi possível ao empresário finlandês aprovar, fazer aprovar, um projecto turístico de qualidade…!

Ao mesmo tempo, nestes 30 anos, multiplicaram-se as casinhas, as casinhotas, os aldeamentos da treta e sem qualidade! Não vale a pena referir todas as cenas tristes, algumas mesmo dramáticas – como o suicídio do promotor, desesperado com a burocracia portuguesa. Hoje, dizem-me, ainda faltam “as últimas autorizações legais”… Devem estar a brincar connosco. Um projecto que gera riqueza, que cria centenas de postos de trabalho, que traz turistas de qualidade e não de pé descalço, arrasta-se há 30 anos e ainda lhe faltam as “últimas autorizações legais”…?!

É mais do que tempo do Algarve dizer “basta” aos idiotas burocratas e outros empatas… Mas basta, mesmo, já chega de atraso de vida!

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Mensagem do Papa para a Quaresma 2007


por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

Bento XVI apelou aos católicos de todo o mundo que estejam atentos a todas "as feridas provocadas à dignidade do ser humano", empenhando-se em combater "qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e a aliviar os dramas da solidão e do abandono de tantas pessoas".

Na mensagem que escreveu para a Quaresma de 2007, que teve início no dia 21 de Fevereiro, Quarta-Feira de Cinzas, o Papa desafia a "abrir o coração aos outros".

"A Quaresma seja para cada cristão uma experiência renovada do amor de Deus que nos foi dado em Cristo, amor que todos os dias devemos, por nossa vez, «dar novamente» ao próximo, sobretudo a quem mais sofre e é necessitado", aponta a mensagem.

O Papa regressa, neste texto para o tempo de preparação rumo à Páscoa, a várias das ideias que apresentou na sua encíclica "Deus caritas est". Partindo de uma passagem do Evangelho de João, "Hão-de olhar para Aquele que trespassaram" (Jo 19, 37), Bento XVI indica que "é no mistério da Cruz que se revela plenamente o poder incontível da misericórdia do Pai celeste".

"No caminho quaresmal, recordando o nosso Baptismo, somos exortados a sair de nós próprios e a abrir-nos, num abandono confiante, ao abraço misericordioso do Pai", refere.

O amor de Deus como "eros e agape" domina a primeira parte da mensagem, em que o Papa explica, mais uma vez, o alcance destas expressões: "A palavra agape, muitas vezes presente no Novo Testamento, indica o amor oblativo de quem procura exclusivamente o bem do próximo; a palavra eros denota, ao contrário, o amor de quem deseja possuir o que lhe falta e anseia pela união com o amado".

Bento XVI escreve que "o eros faz parte do próprio coração de Deus: o Omnipotente aguarda o «sim» das suas criaturas como um jovem esposo o da sua esposa".

Na Quaresma, diz o Papa, os católicos são chamados a dirigir "o nosso olhar com participação mais viva, neste tempo de penitência e de oração, para Cristo crucificado que, morrendo no Calvário, nos revelou plenamente o amor de Deus".

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Imprensa regional

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

A questão que se coloca, neste momento, é saber quanto vale a imprensa regional a nível dos valores da cultura local e até nacional. São poucos os governantes a entender que, no nosso país, predomina a iliteracia, que o gosto pela leitura de jornais é quase nulo, a população não se interessa pela informação, a não ser a que lhes entra pelos olhos dentro nos telejornais.

Daí os resultados que se obtêm a todos os níveis. Só para falar na política, podemos pôr no prato da balança a abstenção, e, se entrarmos pela escolaridade, percebe-se que, no domínio da interpretação da língua, o português é coisa muito mal tratada, com lacunas que nos envergonham a todos.

A imprensa regional, ou como muitos preferem chamar-lhe, a imprensa de proximidade, é dos poucos veículos que, face à informação televisiva, da rádio, da própria internet, ainda consegue alguma penetração no público leitor. E é esta aposta que o Governo devia fazer – acreditar que a imprensa regional deve ser estimulada como veículo de promoção da leitura, do gosto pelos jornais impressos. No entanto, completamente ao contrário, o Governo retira-lhe toda a possibilidade de chegar junto de potenciais leitores, criando uma lei que não só extinguiu o porte pago para o estrangeiro, como diminuiu a sua participação para os envios de jornais para o território nacional.

Continuamos sem perceber se a medida proposta pelo actual Governo é economicista ou política. Se é economicista, demonstra muita falta de sensibilidade e o não querer perceber o problema, porque as negociações com os CTT devem ser feitas com todas as partes, sendo que a parte principal e interessada é o Estado. Daí que, sabendo-se que a imprensa regional ou de proximidade é um veículo único da história e da informação local, e é por ela que mais cresce o interesse, por dar às pessoas estórias da sua esfera de intervenção territorial, os jornais regionais deviam ser considerados de interesse público e, como tal, alvo de um tarifário acessível, que possibilitasse a sua expansão.

Não é isso que se verifica, porque outros interesses se levantam, normalmente, neste tipo de negociações. OS CTT são uma empresa estatal, como tal não se justifica que haja procedimentos nos aumentos dos preçários, quando a função do Estado, pela Constituição em vigor, afirma: «Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações». O Governo entrou na fase da discriminação, porque não são os dois milhões de contos gastos anualmente com o porte pago que abalam o Orçamento do Estado.

Se o problema não é economicista, mas político, as coisas têm que ser vistas numa outra óptica – os socialistas sempre foram avessos aos meios de comunicação social, por um lado, porque nunca foram capazes de manter vivo um órgão de comunicação fundado por elementos seus. Por outro lado, têm receio do poder da imprensa regional e nada melhor do que a ir adormecendo, retirando-lhe apoios. Numa imprensa deficitária, mas altamente enriquecedora da história local, veículo de informação único a chegar a certas partes do mundo e mesmo de Portugal, é triste assistir-se ao pressuposto de que, para privatizar os Correios, há que retirar-lhe certos negócios menos rentáveis.

Aqui há gato escondido, com rabo de fora. Os CTT contavam, na sua contabilidade, com os milhões referentes ao porte pago da imprensa regional. E não nos venham tentar enganar atribuindo a mudança de regras às directrizes comunitárias, porque isso é para rir. Querer comparar as potencialidades dos jornais regionais espanhóis ou franceses com a realidade portuguesa, é não perceber que há países onde se lê e dá valor à imprensa escrita, e há um país, que é Portugal, onde não se lê e por mais que os Governos se esforcem, não há coragem para implementar uma política que fomente esse gosto pela leitura e pelos jornais. Porque razão não há uma hora, nas escolas, para comentar as notícias dos jornais da sua terra, criando, desta forma, não só o hábito da discussão e análise dos problemas, como cimentando os princípios de cidadania em que somos tão fracos? Talvez não interesse, como diria Salazar!

O Governo tem o dever de instituir um preço base pela expedição dos jornais regionais e locais, independentemente do peso. Criar um espaço mais amplo de promoção, como forma de captar leitores e levar os jornais para as escolas. Criar parcerias com empresas jornalísticas. Se o Governo não pretende criar um preço unitário, então que baseie o seu critério de subsídio ao leitor no número de jornalistas com carteira profissional que cada jornal tem na sua redacção. E que, por cada posto de trabalho criado num jornal, lhe seja atribuído o respectivo apoio na expedição.

Que fique claro, mas muito claro, que o porte pago é um apoio dado aos leitores e nunca às empresas, que suportam uma verba para os jornais chegarem a casa dos seus leitores. Quem lucra são os CTT. Só que, a concretizar-se a política do Governo, os CTT vão perder este ano uns milhões de euros com os envios para o estrangeiro, cujo porte pago deixa de existir, e outros com os envios a nível nacional.

Quem negociou, não soube negociar e somos todos a sofrer de um mal chamado interesses próprios, por causa da iliteracia de um Governo que não avaliou a verdadeira dimensão cultural e de interesse público que a imprensa regional possui.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Crise na saúde


por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

O Algarve não escapa à onda de problemas e protestos que assola o sector da saúde, de que Valença é o caso mais recente. Um surto de gripe, que entupiu, há dias, o Serviço de Urgência do Hospital de Faro, esgotando as macas e lançando o caos nos corredores, associado a três mortes por alegada negligência médica, uma neste mesmo hospital e duas no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, abre, de novo, o debate sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde, como consequência da reorganização do sector posta em marcha pelo ministro Correia de Campos.

Ao fecho de algumas maternidades tem-se seguido o encerramento de muitos centros de saúde e serviços locais de urgência, ao mesmo tempo que, a pretexto da necessidade de uma maior disciplina laboral, se quer impor o afastamento de muitos médicos, impedidos de continuar a acumular certas funções, nos hospitais públicos e privados. Tudo em nome de uma maior eficácia e rentabilização dos serviços mas que, objectivamente, não visa mais do que uma substancial redução de despesas, como se a saúde dos portugueses também devesse entrar na contabilidade do défice.

O "caos" no serviço de urgências na primeira quinzena de Fevereiro é, apenas, uma pequena amostra do que de muito mais grave pode vir a acontecer no próximo Verão, com ou sem plano de emergência, quando a população ultrapassar o milhão de habitantes. Aliás, já se antevê, pela necessidade que houve de se alargar agora, no meio desta "crise", o serviço de atendimento às 24 horas, nos Centros de Saúde de Faro e Olhão, a confusão que se pode instalar no próximo Verão, se Correia de Campos persistir com a sua obstinada e cega reestruturação.

De acordo com o seu projecto reformista, o Hospital de Faro passou a ser o único Serviço de Urgência Polivalente na região, dedicado ao primeiro nível de socorro e dos 14 Centros de Saúde existentes, só Albufeira, Loulé e Vila Real de Santo António funcionam 24 sobre 24 horas, no âmbito do que se designa actualmente por Serviço de Urgência Básica.

Se a este quadro juntarmos o facto do ministro Correia de Campos ter sido (será que ainda não é?) um conhecido adversário da construção do futuro Hospital Central do Algarve, inicialmente fora das prioridades do Governo e mais tarde anunciado, pelo primeiro-ministro para avançar até ao fim da actual legislatura, temos razões para estarmos preocupados com o futuro do Serviço Nacional de Saúde, tal como está consignado na Constituição.

O aumento das taxas moderadoras e a diminuição da comparticipação do Estado nos medicamentos são outros indícios perigosos do caminho que se está a trilhar. Numa época que está muito em moda copiar modelos políticos de outros países, nomeadamente no domínio do social, com um claro agravamento das condições de vida dos mais carecidos, recusamo-nos a imaginar, sequer, que subja-cente a actual política de saúde exista uma vontade escondida, de abandonar os mais idosos à sua sorte. Isso não!

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Falemos de dinheiro.

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Daquilo com que se paga o desenvolvimento.

Por estes dias oiço dizer que a União Europeia reduziu as verbas para o Algarve. Que o Algarve, nos próximos 7 anos, terá menos uns 600 milhões de euros para investimentos públicos e apoio ao desenvolvimento. Por culpa de Bruxelas. É verdade… Mas é mentira! Se a decisão é de Bruxelas, a responsabilidade, a culpa é dos responsáveis políticos portugueses e sobretudo, os algarvios. Eles é que não souberam pressionar Bruxelas, nem negociar para defender os interesses do Algarve que representam… ou é suposto representarem… é para isso que a gente lhes paga!

O que fizeram os euro-deputados algarvios…? Nada que se visse… E os partidos políticos? Bom, o PDS, apesar de ser oposição, nem se viu. E quanto à direcção do PS Algarve, como já vai sendo costume desapareceu… Deve ter metido férias.
Vejam a Andaluzia. Ponham lá os olhos, vão até lá, informem-se e formem-se porque é de informação e de formação que precisam. Assumam as responsabilidades e não se desculpem com a União Europeia… Ou seja, que os senhores políticos reconheçam que não souberam nem foram capazes de defender os interesses do Algarve e que não venham agora dar-nos desculpas de maus pagadores.

Diz-se que as verbas do quadro de referência nem chegam para um terço dos investimentos previstos no PROT… Mas se é assim, mais uma vez, isto só quer dizer uma coisa – falta direcção política no Algarve! E enquanto assim for, estaremos sempre mal!

Duas notas finais:

Primeiro: Sócrates ganhou as eleições há dois anos. Não tem sido mau o seu governo… Mas precisa de fazer mais para ser bom! E Sócrates precisa, urgentemente de refrescar a equipa, de forma ao governo ganhar mais dinâmica e, sobretudo, mais inteligência.

Segundo: As obras da barragem de Odelouca vão ser, finalmente, concluídas. Bom sinal! Os empatas e queixinhas, ecologistas da treta, perderam. Muito bom sinal!

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Carnaval


por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

É quase decorrente, no contexto do Carnaval, falar na máscara que se põe ou se tira, das fantasias com que uns tantos se revestem, divertindo-se na paródia de que ‘a vida são dois dias, o carnaval são três; viva o carnaval’!

Às vezes a imaginação está bastante em saldos: com facilidade poderemos encontrar pessoas a usar máscaras, a vestir-se ou a assumir figura banal e até patética, se não mesmo a recorrerem a vestes de natureza religiosa, de âmbito policial ou mesmo de teor macabro. Por vezes o bom senso entra em eclipse.

Talvez seja preciso usar mais a imaginação, pondo a funcionar os neurónios da correcção de costumes, ainda que desmascaremos a tristeza, com comedida alegria.

Se nos tentarmos lembrar veremos que há imensas localidades onde o Carnaval é atractivo, tanto no ‘domingo gordo’ como na terça-feira de Entrudo; deixai porém que assuma um certo bairrismo e apele à participação do ouvinte no que se realiza em Tavira.

O Carnaval está aí e por estes dias em força. Talvez valha a pena vivê-lo com a intensidade possível – dentro do respeito mútuo – para podermos entrar a seguir com força e significado na Quaresma.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

A procriação é a próxima batalha do «não»

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Nada é igual ao passado recente. O referendo, sem dar uma maioria confortável ao «sim», nem tão pouco o tornar vinculativo, porque a abstenção foi enorme, mostrou que as mentalidades mudaram, embora o Norte continue agarrado aos princípios religiosos e ao medo, e que, num futuro próximo, os políticos, como é seu dever, vão legislar para que a mulher possa ter a sua dignidade assegurada.

O projecto-lei, para o aborto até às 10 semanas, diz, mais ao menos o seguinte: «não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, a pedido da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente».

Em princípio, não há razões para continuar a haver o aborto clandestino. Mas todos estamos conscientes de que, por uma questão de cultura, de um povo onde o medo e a vergonha ainda existem, se continue a praticar o desmancho à velha maneira.

É o caminho da educação e do esclarecimento que deve ser encetado pelo Estado. Sem receio de meter ombros a uma campanha de esclarecimento que percorra as aldeias, as escolas, o interior do país tão esquecido.

Os governantes, sem complexos, devem pegar na nossa realidade, de país maioritariamente inculto, e criar mecanismos que possam alterar significativamente as coisas.

Os avanços de Portugal não se fazem, porque nos julgamos iguais aos outros, dessa Europa onde já não se admite o referendo ao aborto e a prática é comum. Mostrámos o nosso verdadeiro atraso.

Somos um povo adverso à modernização da nossa educação, consumimos tudo o que não devíamos, apenas porque é moda, relegamos as nossas tradições e os nossos produtos porque queremos ser iguais a uma Europa da qual estamos afastadas mais de 50 anos.

Construímos uma sociedade acima das nossas verdadeiras possibilidades. Porque os governantes mentiram e nunca foram capazes de escrever preto no branco – somos um país da periferia, pobre e cheio de lacunas a todos os níveis.

Sem estratégia, mas armado em rico por fora, mas pobre por dentro.

Os movimentos do «sim» alcançaram uma pequena vitória - a despenalização do aborto até às dez semanas.

Aos movimentos do «não» é justo que se peça coragem e capacidade empreendedora, para que, nos próximos tempos, concebam os seus actos sexuais de forma reprodutora, sem utilizar meios como a pílula ou o preservativo e outros, para que possamos, daqui a nove ou dez meses orgulharmo-nos de todos eles, anunciando ao mundo que a população portuguesa rejuvenesceu com o nascimento de uns milhares de crianças.

Porque os portugueses que se assumiram pelo «não», demonstrando estar contra o aborto, logo, querendo que o nascimento se realizasse, devem ser o exemplo para os outros que negam essa realidade.

Sabendo-se que Portugal está a envelhecer, é suposto que os defensores do nascimento devem ser procriadores.

O nosso pedido, em nome do crescimento populacional, é que todos os portugueses que votaram «não» se tornem pais se ainda não o são, ou voltem a ter mais um filho, porque, caso não o façam, estão a contribuir para as estatísticas de forma negativa e, então, é possível que cheguemos ao final do ano com mais abortos do que nascimentos. As pessoas do «não» devem lutar para derrotar as do «sim».

A procriação deve ser a vossa próxima batalha, exigindo a vós próprios aquilo que exigiam a todos os que não concordavam convosco. Mãos à obra.

Já agora, se algum de vós, que votou «não», tiver que recorrer ao aborto, que o faça na clandestinidade ou então, em consciência e verdade, transmita ao médico que votou contra no referendo, mas que, por razões imponderáveis, quer abortar.

O referendo do passado domingo vai permitir, segundo promessa do Partido Socialista, alterar a lei. Tudo apontava para que fosse em 2008 que isso se verificasse, mas, a expressão do «sim», com o país a responder ao apelo do primeiro-ministro, é bem possível que a lei venha a ser revista ainda no decorrer do presente ano.

Porque os socialistas querem aproveitar as vitórias e dar ao povo aquilo que ele exigiu e nada melhor, quando a economia está paralisada, do que avançar com coisas populares, que pouco ou quase nada custam, mesmo em termos de Orçamento de Estado.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

A propósito do sismo


por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

Descartando as interpretações fantasistas dos que, caindo na tentação de tratar levianamente assuntos sérios, não se têm coibido de estabelecer uma certa analogia entre a vitória do "sim" no referendo do último domingo e o sismo da passada segunda-feira, como se a vontade das pessoas se pudesse alguma vez conjugar com os desígnios da Natureza, a verdade é que, no domínio do simbólico, pode efectivamente considerar-se que Portugal sofreu, quase em simultâneo, dois terramotos.

Um na verdadeira acepção da palavra, sem consequências mas que nos fez temer o pior, trazendo-nos à lembrança os sismos de 1755 e 1969 e o facto, por vezes esquecido, de que vivemos numa zona sísmica.

Outro, em sentido figurado, mas com consequências para o país, particularmente para as mulheres portuguesas – todas elas, mesmo as que votaram “não” – que vão poder escolher, a partir de agora, o momento da sua maternidade sem que sobre elas volte a pairar a ameaça de uma pena de prisão. Um "sismo" apenas no sentido em que se deu uma ruptura com um passado arcaico.

Feito este preâmbulo, analisemos, então, o verdadeiro sismo da passada segunda-feira, sobretudo no plano da prevenção e da emergência face ao perigo. Particularmente em locais de grande concentração de pessoas, como acontece nas escolas.

"Estávamos a fazer a correcção de um teste e quisemos proteger-nos debaixo das carteiras e o professor não nos deixou, alegando que isto já passava" - contou ao Jornal do Algarve uma aluna, numa revelação preocupante mas sintomática da leviandade com que muita gente, sobretudo os que têm a voz de comando, encararam o fenómeno.

Provavelmente, a esmagadora maioria das escolas agiram em conformidade com os planos de emergência que possuem para situações como a que se viveu, mas ainda que fosse apenas uma escola a não cumprir esse plano, o que não é o caso – temos conhecimento que foram muitas mais a negligenciar a situação – para nós já é preocupante e motivo de reflexão. E mais preocupante é, ainda, saber que muitos alunos que queriam aplicar os procedimentos que assimilaram nas várias simulações ensaiadas em caso de sismo, como por exemplo a situação atrás relatada, foram impedidos de o fazer pelos respectivos professores.

Vivemos numa zona sísmica. O Algarve já sofreu um grande abalo (8,7 graus na escala de Richter) em 1755, que destruiu Lisboa e arrasou o litoral algarvio e outro em 1969, também no mês de Fevereiro que atingiu 7,5 na escala de Richter.

Frequentemente se noticia este perigo, se divulgam normas de procedimento preventivo, durante e depois do sismo. De quando em quando, fazem-se simulações nas escolas. Produz-se legislação com normas de construção anti-sísmica, que não é fiscalizada. Porém, na hora de se enfrentar uma situação real parece prevalecer o improviso e a leviandade, como se estivéssemos a salvo de um terramoto de maiores consequências.

Para uma reacção adequada a uma crise sísmica, é preciso ter-se em conta, como diria La Palisse, que quando a terra começa a tremer ninguém pode prever o grau de intensidade e a duração do fenómeno, mas apenas agir, segundo as normas. Que esta “simulação” real nos sirva de lição.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

UMA BELA VITÓRIA DOS PORTUGUESES SOBRE A SUB-CULTURA SALAZARENTA

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Os Portugueses impuseram, ontem, uma bela derrota ao que resta por aí da sub-cultura salazarenta.

A votação de ontem foi uma bela vitória da sociedade portuguesa. Um belo passo na caminhada para nos libertarmos de vez do que ainda resta por aí da sub-cultura salazarenta e inquisitorial.

E, nesta altura, quero aqui lembrar e mandar um grande abraço para a Maria Antónia Palla, essa grande mulher, que tão bem soube criar e educar os seus filhos e que foi das primeiras mulheres a iniciar este passo que ontem se alcançou.

Esta clara vitória do "sim" significa um passo de libertação da sociedade portuguesa . Significa que caiu um pano da muralha salazarenta que (ainda) nos cerca. Por isso é muito positiva esta vitória. Para que termine essa infâme perseguição às mulheres. E quero recordar um episódio, tão triste quanto caricato, dessa perseguição. O caso de Maria António Palla. Já muito depois do "25 de Abril" processada e levada a julgamento por crime de "incitação ao aborto".

Maria Antónia Palla tinha escrito um artigo de jornal a denunciar a tragédia do aborto clandestino e o intolerável quadro medieval, obscurantista e inquisitorial que cercava, encurralava e criminalizava as mulheres. Foi quanto bastou. Foi sentar-se no canco dos réus por apologia e incitação ao aborto… Foi talvez a última mulher, em Portugal, a sofrer um processo verdadeiramente da Santa Inquisição. Isto não foi no século XVI ou XVII… Foi já no fim do século XX, nos anos oitenta!

Foi com este quadro mental que ontem os Portugueses acabaram. Muito graças ao PS de José Sócrates, António Costa e Jorge Coelho.

Mas não podia deixar de lembrar este caso absurdo de que Maria Antónia Palla foi vitima. E em que se bateu muito bem como a grande mulher que é. E que ganhou! Um grande abraço, querida amiga!

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Referendo


por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

No próximo dia 11 de Fevereiro, cada um de nós, de forma consciente, sem processos emotivos que nos pressionem a tomar outra opção que não aquela que achamos a mais correcta, seremos chamados a tomar posição através de voto em urna, sobre a interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher até às 10 semanas.

No final desse dia, quando o escrutínio terminar, saibamos aceitar os resultados, promovendo assim a democracia.

Nessa hora, sejamos tolerantes. Demos o nosso contributo para defender os direitos de todos. Inclusive o de pensar de modo diferente.

O que resta de campanha seja feita sem atropelos e com verdade.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Uma casa para os excepcionais

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Já joguei no euromilhões e no totoloto. Ao sábado, fugindo à rotina, lá vou de manhã à tabacaria de uma grande superfície, faço a conferência do jogo da semana anterior, por normalidade não me sai nada, e registo a minha participação para a semana seguinte. Dois euros nos milhões e seis nos restantes boletins, porque, em questões de sorte e de jogo, sou apologista de que tanto sou premiado gastando muito, como pouco.

Porque encaro o jogo como um factor de sorte. Há os que logo dizem que, jogando com mais, mais hipóteses temos.

O que ao jogo se resume, ganhar e perder. Participo, não por vício, mas pela rotina de que, quem sabe, um dia poderei ser o contemplado, porque, não nego, o dinheiro faz sempre jeito, principalmente numa sociedade onde tudo se compra e tudo se vende.

É ao sábado, também, que costumo encontrar o meu amigo César, um pai que tem uma filha excepcional, que frequentou a Cracep, em Portimão, da qual ele foi fundador, e sempre vem à baila o que será desta criança quando os pais desaparecerem.

É este o drama dos deficientes. Enquanto os pais são vivos, estão protegidos, depois, talvez haja um familiar mais próximo, com capacidade para receber uma pessoa excepcional. O César é um homem da Serra do Caldeirão, que meteu ombros à construção de um centro de dia, que lá existe e que tem terreno para construir mais coisas.

O desafio que lhe lancei, porque em Portugal apenas existem, e vou dizê-lo por defeito, três ou quatro lares com capacidade para receber deficientes em idade avançada, é que se construa, nos terrenos anexos, uma pequena aldeia que possa receber esses deficientes algarvios, que são muitos.

Quantos não moram ao nosso lado e nós nem nos apercebemos… Há muito tempo que não encontro o César, que me disse estar o projecto a ser elaborado, graciosamente, por um arquitecto amigo em Lisboa.

Espero que o projecto, por ser de graça, já esteja concluído, que seja uma obra para servir os deficientes, porque dinheiro não vai faltar para o construir.

O euromilhões foi fundado com essa finalidade – subsidiar a construção de lares para deficientes em idade avançada. É sua obrigação.

Uma obrigação maior do que andar a contribuir para o rali de automóveis Lisboa-Dakar, quando se sabe que esta organização apenas procura o lucro. É dali que tem que vir uma grossa fatia para construir essa casa destinada a deficientes na Serra do Caldeirão.

Do euromilhões e de outros programas. Ninguém tem o direito de espetar a maldita burocracia, num projecto que visa servir cidadãos desamparados, que não são normais, nem tão pouco se podem transformar em sem abrigo ou coisa que o valha, porque não sabem. É por isso que se chamam «excepcionais», porque necessitam de um tratamento muito especial, às vezes e tão só um carinho e um amparo.

Já lá vai mais de um ano que esta conversa se registou com o César. Num daqueles sábados. Até hoje, não sei se já avançaram alguns passos, se o projecto já entrou na Câmara de Loulé, se foi apresentado às entidades respectivas.

Mas sei que, num destes dias, dei por mim num gabinete do Governo Civil a falar do assunto, quando lá tinha ido tratar de outro, e o governador mostrou-se solidário e compreendeu que, para um deficiente que perde os pais, começa um drama.

Empurram-no para ali, para acolá, perguntam se não tem família e envolvem-no numa teia de burocracia, transformando-o em simples mercadoria.

A casa para os deficientes em idade avançada na Serra do Caldeirão tem que ser uma realidade e o euromilhões tem que contribuir com a sua parte. Para que os pais, enquanto vivos, possam levar os seus filhos a passear à serra, transmitindo-lhes que, mais tarde, aquela casa que visitam, onde estão os seus irmãos e amigos, será um dia a sua.

César, haja coragem para não se ficar por uma casinha pequenina, tão pequena que não chega para as encomendas.

O Governo e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que vive à custa do jogo participado por todos os portugueses, têm obrigação de dar guarida a esses seres excepcionais que, tendo vindo ao mundo, porque os seus pais o entenderam, são cidadãos de pleno direito.

Podem não votar, mas são seres com vida. São seres humanos que merecem, enquanto por aqui andarem, todo o respeito e a dignidade de que qualquer pessoa normal usufrui.

Mãos à obra, César. O euromilhões cria prémios para arrecadar mais milhões que são teus, da tua filha e de muitos filhos excepcionais.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

HIPOCRISIA A MAIS

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Há no ar uma hipocrisia insustentável… Com a aproximação da data do referendo à despenalização do aborto – melhor seria dizer… discriminalização , porque é disso que se trata… de deixar de criminalizar e levar a tribunal mulheres que abortem – com a aproximação do dia 11 surgem as mais disparatadas e hipócritas das propostas.
Esquece-se que estamos a falar de realidades e não propriamente de mundos ideais.
Como o acaso faz muito bem as coisas, há uns dias atrás, enquanto decorre essa chinfrineira hipócrita, assisti numa loja de um centro comercial, ao desmaiar da rapariga que me atendia… Veio o gerente da loja a correr, aflito, e chamou uma ambulância pelo telefone. A rapariga, entretanto, recuperou os sentidos, ficou muito envergonhada ao ver que tinha as roupas manchadas de sangue e, a seguir, ficou aflita quando o gerente lhe disse que já tinha chamado uma ambulância.

“Não quero ir para o hospital…!” , quase gritou ela em pânico. E esperneava quando a metiam na ambulância: “Não quero ir…”

Foi aí que eu percebi o que se passava…
É com estas situações que é preciso acabar. Situações que são mais próprias de países medievais, não de gente de países europeus e civilizados.

A última proposta patética e hipócrita que ouvi é a de Marques Mendes e de alguns senhores que defendem o “Não”…
O que diz? Pois mais ou menos isto: “Votem no não e a gente compromete-se, depois, a despenalizar n Parlamento”.
Mas que coisa é esta? Então, pede-se às pessoas, aos eleitores, que são os verdadeiros senhores da democracia, que se façam de parvos! Que votem contra a despenalização no referendo, porque depois no Parlamento os defensores do Não votarão Sim… A hipocrisia já raia a idiotice!
Bem andou José Sócrates quando respondeu a esta patetice que se o Não ganhar, a lei fica como está.
Afinal, o que parece estar em causa neste referendo é saber se queremos continuar a portar-nos de modo hipócrita.

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Voluntariado na Acção Social


por Albino Martins (director do Centro Paroquial de Cachopo)

A Cáritas Diocesana do Algarve, organiza no próximo sábado as VI Jornadas de Acção Social, este ano sobre o Voluntariado.

Aproveito a Rádio Gilão e todo o seu auditório para dar o meu contributo no despertar para a necessária adopção de medidas.

1 - A Acção Social, entendida em sentido lato, abrange a actuação do Estado e seus organismos, bem como a de outras entidades, sobretudo das organizações sem fins lucrativos.

Dentro dela são indispensáveis três pilares: o Voluntariado; as Instituições públicas e particulares; e os centros de decisão política.

Relativamente ao voluntariado, justifica especial referência o de proximidade, em cooperação regular com instituições locais, públicas e particulares (onde também pode haver trabalho voluntário); e os centros de decisão política.

2 - Os grupos de voluntariado social de proximidade em cada freguesia, e em cada um dos seus bairros, aldeias ou agregados populacionais de outro tipo, permite o conhecimento imediato de cada situação de carência e a cooperação na procura das soluções necessárias.

Mais concretamente, podem assegurar: o conhecimento directo de cada situação de carência; a prestação de ajuda possível; a mediação junto de entidades competentes para a solução dos problemas; e o acompanhamento de cada caso social até à respectiva solução. Os tipos de grupos podem variar naturalmente: desde conferências vicentinas e grupos de acção social ou de voluntariado, com motivação religiosa, laica ou mista.

3 - Estes grupos não se caracterizam pela capacidade de resposta às situações de carência, mas sim pela cooperação solidária com quem as vive, e pela articulação com as instituições que dispõem das competências para as soluções necessárias.

Tal articulação deverá ser regular e não meramente pontual, sob pena de não se aproveitarem os meios de resposta disponíveis. Contrariamente a uma tradição bastante arreigada, os grupos de voluntariado social de proximidade deveriam fazer um tratamento, ainda que mínimo, dos dados relativos à sua actividade.

Tais dados visam três objectivos fundamentais: a análise periódica do trabalho realizado; a apreciação dos problemas sociais juntamente com outras entidades, visando as soluções possíveis; e a intervenção que seja necessária, junto dos centros de decisão política, através dos canais apropriados.

NOTA: Os comentários de Albino Martins são emitidos todas as sextas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Afinal, há um Deus que faz o desmancho

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Os portugueses não se devem intimidar com preconceitos religiosos ou outro tipo de afirmações.

A nossa sociedade, por muito que queiramos fazer crer aos outros que é justa, não passa de um sistema de hipocrisia. As religiões mandam matar pessoas em nome do seu Deus.

Basta olharmos para o número infinito de guerras que grassa pelo Mundo, para concluirmos que as religiões estão na sua base – são os fiéis contra os infiéis e vice-versa.

Infelizmente, ninguém condena essa mortandade. Ninguém condena com força as crueldades que tantos religiosos praticam nos jovens.

A Igreja Católica, se se lembrar da Inquisição e das perseguições que mandou fazer, das suas Cruzadas, deveria ficar calada e não apelar com demagogias ao «não». Os movimentos religiosos não podem alegar seja o que for. Quantos padres não terão mandado as suas serviçais (ditas irmãs) fazer o desmancho?

Onde está a humildade e o sentido ético de perdoar, quando se defende que a mulher deve ir parar à cadeia, porque resolveu fazer a interrupção da sua gravidez?

Onde paira o humanismo dos que defendem o «não», quando sabem que nos bairros mais pobres e em famílias de baixos rendimentos, o recurso ao aborto clandestino é normal? Quantas das vezes não é a própria mulher a enfiar agulhas, a colocar todo o tipo de porcarias que lhe possam atingir o útero, de forma a abortar?

Depois, entramos na análise da prática escolar – onde está o ensino da educação sexual? Quantos jovens têm acesso a explicações claras e precisas de que a gravidez pode ser evitada? Que capacidade tem uma criança de doze anos para educar um filho?

A gravidez de uma mulher pode acontecer ao mais pequeno descuido e basta que esteja a tomar um antibiótico para a gripe em conjunto com a pílula, para que o efeito possa passar a ser nulo e, sem saber bem porquê, aí está o que não era desejado!

Brincar com a vida é deixar nascer crianças que depois passam fome, que não têm direito a um lar, que são marginalizados e explorados, introduzidos nos esquemas da pornografia infantil e na prostituição. É isto que querem as pessoas que dizem «não»?

Todas as famílias querem ter um herdeiro ou dois. Mas todas elas desejam para eles coisas muito melhores do que aquelas que tiveram para si. E se possível dar-lhes uma educação que os torne homens com capacidade para enfrentar as agruras da vida.

Tenhamos consciência de que ninguém opta por fazer um desmancho, aborto ou IVG de ânimo leve. Ou será que essa classe média/alta pensa que não existe pobreza em Portugal? Que o país é apenas esta periferia?

O que se vai votar é a despenalização da mulher. Nenhuma mulher merece ser presa só porque resolveu abortar, dentro dos limites razoáveis e permitidos por lei. A decisão é sua, o corpo é seu, aquele princípio de ovo é seu, não é de mais ninguém.

«José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia da Campanhã, Porto, um dos envolvidos no famoso julgamento da Maia, que sentou 43 arguidas no banco dos réus, e em que uma enfermeira-parteira foi condenada a oito anos de prisão, confessou que sim, que encaminhava as mulheres para aquela morada.

“Mulheres que viviam no limiar da condição humana. Que não podiam ter mais um filho porque já nem comer tinham para dar aos outros”, disse. Por conhecer tão bem a pobreza, indigna-se quando ouve os movimentos pelo “não” assumirem-se “pela vida”. Como se quem aborta fosse “pela morte”. “Eu tão bem sou pela vida! Mas pela vida em abundância, pela vida desejada e com condições”, reforçou». São declarações feitas ao «Diário de Notícias», que retratam a realidade, uma realidade que muitos que falam em nome do «não» desconhecem e nem coragem têm de lá se aproximar.

Os portugueses no próximo dia 11 de Fevereiro vão votar no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Pode ganhar o «sim», pode ganhar o «não».

Para o povo pobre, analfabeto, que nem se deu ao trabalho de ir votar, muito possivelmente, é indiferente todo o barulho que se anda a fazer pelas televisões, pelas ruas, nas salas, nos folhetos e em mil uma maneiras de gastar dinheiro, que fazia falta a milhares de crianças com fome.

Para esse povo anónimo, que não lida com as palavras sofisticadas de aborto ou interrupção voluntária da gravidez, mas, tão simplesmente, fala em desmancho, para essas mulheres, tudo vai continuar como dantes, utilizando as agulhas de tricô, o raminho de salsa até ao útero e até as mezinhas de alguma vidente, que, depois de lhe introduzir os líquidos, lhe reza alguma oração e termina dizendo «se Deus achar por bem, o desmancho acontece. Senão... paciência, nada feito». Afinal, há um Deus que faz o desmancho...

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.