Crise na saúde
por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)
O Algarve não escapa à onda de problemas e protestos que assola o sector da saúde, de que Valença é o caso mais recente. Um surto de gripe, que entupiu, há dias, o Serviço de Urgência do Hospital de Faro, esgotando as macas e lançando o caos nos corredores, associado a três mortes por alegada negligência médica, uma neste mesmo hospital e duas no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, abre, de novo, o debate sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde, como consequência da reorganização do sector posta em marcha pelo ministro Correia de Campos.
Ao fecho de algumas maternidades tem-se seguido o encerramento de muitos centros de saúde e serviços locais de urgência, ao mesmo tempo que, a pretexto da necessidade de uma maior disciplina laboral, se quer impor o afastamento de muitos médicos, impedidos de continuar a acumular certas funções, nos hospitais públicos e privados. Tudo em nome de uma maior eficácia e rentabilização dos serviços mas que, objectivamente, não visa mais do que uma substancial redução de despesas, como se a saúde dos portugueses também devesse entrar na contabilidade do défice.
O "caos" no serviço de urgências na primeira quinzena de Fevereiro é, apenas, uma pequena amostra do que de muito mais grave pode vir a acontecer no próximo Verão, com ou sem plano de emergência, quando a população ultrapassar o milhão de habitantes. Aliás, já se antevê, pela necessidade que houve de se alargar agora, no meio desta "crise", o serviço de atendimento às 24 horas, nos Centros de Saúde de Faro e Olhão, a confusão que se pode instalar no próximo Verão, se Correia de Campos persistir com a sua obstinada e cega reestruturação.
De acordo com o seu projecto reformista, o Hospital de Faro passou a ser o único Serviço de Urgência Polivalente na região, dedicado ao primeiro nível de socorro e dos 14 Centros de Saúde existentes, só Albufeira, Loulé e Vila Real de Santo António funcionam 24 sobre 24 horas, no âmbito do que se designa actualmente por Serviço de Urgência Básica.
Se a este quadro juntarmos o facto do ministro Correia de Campos ter sido (será que ainda não é?) um conhecido adversário da construção do futuro Hospital Central do Algarve, inicialmente fora das prioridades do Governo e mais tarde anunciado, pelo primeiro-ministro para avançar até ao fim da actual legislatura, temos razões para estarmos preocupados com o futuro do Serviço Nacional de Saúde, tal como está consignado na Constituição.
O aumento das taxas moderadoras e a diminuição da comparticipação do Estado nos medicamentos são outros indícios perigosos do caminho que se está a trilhar. Numa época que está muito em moda copiar modelos políticos de outros países, nomeadamente no domínio do social, com um claro agravamento das condições de vida dos mais carecidos, recusamo-nos a imaginar, sequer, que subja-cente a actual política de saúde exista uma vontade escondida, de abandonar os mais idosos à sua sorte. Isso não!
NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.