Uma casa para os excepcionais
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
Já joguei no euromilhões e no totoloto. Ao sábado, fugindo à rotina, lá vou de manhã à tabacaria de uma grande superfície, faço a conferência do jogo da semana anterior, por normalidade não me sai nada, e registo a minha participação para a semana seguinte. Dois euros nos milhões e seis nos restantes boletins, porque, em questões de sorte e de jogo, sou apologista de que tanto sou premiado gastando muito, como pouco.
Porque encaro o jogo como um factor de sorte. Há os que logo dizem que, jogando com mais, mais hipóteses temos.
O que ao jogo se resume, ganhar e perder. Participo, não por vício, mas pela rotina de que, quem sabe, um dia poderei ser o contemplado, porque, não nego, o dinheiro faz sempre jeito, principalmente numa sociedade onde tudo se compra e tudo se vende.
É ao sábado, também, que costumo encontrar o meu amigo César, um pai que tem uma filha excepcional, que frequentou a Cracep, em Portimão, da qual ele foi fundador, e sempre vem à baila o que será desta criança quando os pais desaparecerem.
É este o drama dos deficientes. Enquanto os pais são vivos, estão protegidos, depois, talvez haja um familiar mais próximo, com capacidade para receber uma pessoa excepcional. O César é um homem da Serra do Caldeirão, que meteu ombros à construção de um centro de dia, que lá existe e que tem terreno para construir mais coisas.
O desafio que lhe lancei, porque em Portugal apenas existem, e vou dizê-lo por defeito, três ou quatro lares com capacidade para receber deficientes em idade avançada, é que se construa, nos terrenos anexos, uma pequena aldeia que possa receber esses deficientes algarvios, que são muitos.
Quantos não moram ao nosso lado e nós nem nos apercebemos… Há muito tempo que não encontro o César, que me disse estar o projecto a ser elaborado, graciosamente, por um arquitecto amigo em Lisboa.
Espero que o projecto, por ser de graça, já esteja concluído, que seja uma obra para servir os deficientes, porque dinheiro não vai faltar para o construir.
O euromilhões foi fundado com essa finalidade – subsidiar a construção de lares para deficientes em idade avançada. É sua obrigação.
Uma obrigação maior do que andar a contribuir para o rali de automóveis Lisboa-Dakar, quando se sabe que esta organização apenas procura o lucro. É dali que tem que vir uma grossa fatia para construir essa casa destinada a deficientes na Serra do Caldeirão.
Do euromilhões e de outros programas. Ninguém tem o direito de espetar a maldita burocracia, num projecto que visa servir cidadãos desamparados, que não são normais, nem tão pouco se podem transformar em sem abrigo ou coisa que o valha, porque não sabem. É por isso que se chamam «excepcionais», porque necessitam de um tratamento muito especial, às vezes e tão só um carinho e um amparo.
Já lá vai mais de um ano que esta conversa se registou com o César. Num daqueles sábados. Até hoje, não sei se já avançaram alguns passos, se o projecto já entrou na Câmara de Loulé, se foi apresentado às entidades respectivas.
Mas sei que, num destes dias, dei por mim num gabinete do Governo Civil a falar do assunto, quando lá tinha ido tratar de outro, e o governador mostrou-se solidário e compreendeu que, para um deficiente que perde os pais, começa um drama.
Empurram-no para ali, para acolá, perguntam se não tem família e envolvem-no numa teia de burocracia, transformando-o em simples mercadoria.
A casa para os deficientes em idade avançada na Serra do Caldeirão tem que ser uma realidade e o euromilhões tem que contribuir com a sua parte. Para que os pais, enquanto vivos, possam levar os seus filhos a passear à serra, transmitindo-lhes que, mais tarde, aquela casa que visitam, onde estão os seus irmãos e amigos, será um dia a sua.
César, haja coragem para não se ficar por uma casinha pequenina, tão pequena que não chega para as encomendas.
O Governo e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que vive à custa do jogo participado por todos os portugueses, têm obrigação de dar guarida a esses seres excepcionais que, tendo vindo ao mundo, porque os seus pais o entenderam, são cidadãos de pleno direito.
Podem não votar, mas são seres com vida. São seres humanos que merecem, enquanto por aqui andarem, todo o respeito e a dignidade de que qualquer pessoa normal usufrui.
Mãos à obra, César. O euromilhões cria prémios para arrecadar mais milhões que são teus, da tua filha e de muitos filhos excepcionais.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
Já joguei no euromilhões e no totoloto. Ao sábado, fugindo à rotina, lá vou de manhã à tabacaria de uma grande superfície, faço a conferência do jogo da semana anterior, por normalidade não me sai nada, e registo a minha participação para a semana seguinte. Dois euros nos milhões e seis nos restantes boletins, porque, em questões de sorte e de jogo, sou apologista de que tanto sou premiado gastando muito, como pouco.
Porque encaro o jogo como um factor de sorte. Há os que logo dizem que, jogando com mais, mais hipóteses temos.
O que ao jogo se resume, ganhar e perder. Participo, não por vício, mas pela rotina de que, quem sabe, um dia poderei ser o contemplado, porque, não nego, o dinheiro faz sempre jeito, principalmente numa sociedade onde tudo se compra e tudo se vende.
É ao sábado, também, que costumo encontrar o meu amigo César, um pai que tem uma filha excepcional, que frequentou a Cracep, em Portimão, da qual ele foi fundador, e sempre vem à baila o que será desta criança quando os pais desaparecerem.
É este o drama dos deficientes. Enquanto os pais são vivos, estão protegidos, depois, talvez haja um familiar mais próximo, com capacidade para receber uma pessoa excepcional. O César é um homem da Serra do Caldeirão, que meteu ombros à construção de um centro de dia, que lá existe e que tem terreno para construir mais coisas.
O desafio que lhe lancei, porque em Portugal apenas existem, e vou dizê-lo por defeito, três ou quatro lares com capacidade para receber deficientes em idade avançada, é que se construa, nos terrenos anexos, uma pequena aldeia que possa receber esses deficientes algarvios, que são muitos.
Quantos não moram ao nosso lado e nós nem nos apercebemos… Há muito tempo que não encontro o César, que me disse estar o projecto a ser elaborado, graciosamente, por um arquitecto amigo em Lisboa.
Espero que o projecto, por ser de graça, já esteja concluído, que seja uma obra para servir os deficientes, porque dinheiro não vai faltar para o construir.
O euromilhões foi fundado com essa finalidade – subsidiar a construção de lares para deficientes em idade avançada. É sua obrigação.
Uma obrigação maior do que andar a contribuir para o rali de automóveis Lisboa-Dakar, quando se sabe que esta organização apenas procura o lucro. É dali que tem que vir uma grossa fatia para construir essa casa destinada a deficientes na Serra do Caldeirão.
Do euromilhões e de outros programas. Ninguém tem o direito de espetar a maldita burocracia, num projecto que visa servir cidadãos desamparados, que não são normais, nem tão pouco se podem transformar em sem abrigo ou coisa que o valha, porque não sabem. É por isso que se chamam «excepcionais», porque necessitam de um tratamento muito especial, às vezes e tão só um carinho e um amparo.
Já lá vai mais de um ano que esta conversa se registou com o César. Num daqueles sábados. Até hoje, não sei se já avançaram alguns passos, se o projecto já entrou na Câmara de Loulé, se foi apresentado às entidades respectivas.
Mas sei que, num destes dias, dei por mim num gabinete do Governo Civil a falar do assunto, quando lá tinha ido tratar de outro, e o governador mostrou-se solidário e compreendeu que, para um deficiente que perde os pais, começa um drama.
Empurram-no para ali, para acolá, perguntam se não tem família e envolvem-no numa teia de burocracia, transformando-o em simples mercadoria.
A casa para os deficientes em idade avançada na Serra do Caldeirão tem que ser uma realidade e o euromilhões tem que contribuir com a sua parte. Para que os pais, enquanto vivos, possam levar os seus filhos a passear à serra, transmitindo-lhes que, mais tarde, aquela casa que visitam, onde estão os seus irmãos e amigos, será um dia a sua.
César, haja coragem para não se ficar por uma casinha pequenina, tão pequena que não chega para as encomendas.
O Governo e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que vive à custa do jogo participado por todos os portugueses, têm obrigação de dar guarida a esses seres excepcionais que, tendo vindo ao mundo, porque os seus pais o entenderam, são cidadãos de pleno direito.
Podem não votar, mas são seres com vida. São seres humanos que merecem, enquanto por aqui andarem, todo o respeito e a dignidade de que qualquer pessoa normal usufrui.
Mãos à obra, César. O euromilhões cria prémios para arrecadar mais milhões que são teus, da tua filha e de muitos filhos excepcionais.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.