Somos amadores
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
O Algarve, como região, não tem massa crítica para gerar projectos capazes de o levar para um patamar de auto-suficiência e de progresso.
Quando o líder do Partido Socialista me convidou para estar presente na reunião do seu Conselho Consultivo, na qualidade de jornalista, pedindo a cada pessoa três ideias-chaves para o Algarve, estava convicto de que iria assistir a um enumerar de dados que possibilitariam, no final, ordenar um caderno reivindicativo de fazer inveja aos maiores estudiosos da matéria.
Mas não. Senti-me envergonhado. Cada personagem falou para o seu umbigo, da sua coisinha, como se fosse a coisa mais importante do mundo.
Cada um entendeu que tinha ali na sua coisinha reunidas as linhas orientadores de um futuro risonho para os 500 mil algarvios que já somos.
Durante todo o debate, conversa ou aquilo que se queira chamar ao conclave, nunca ouvi falar em pescas, como se o mar algarvio não existisse, os portos que possuímos não registassem actividade, como se, ainda, não nos restassem algumas embarcações, apesar do muito que se tem vendido aos espanhóis.
Quanto à agricultura, deu-se a junção da sobremesa, que diziam ser bolo de alfarroba, com o alvitre de que podia ser uma espécie a ter em conta.
Mas de alfaces, couves ou figos nada, pois parece ser coisa em fase de extinção neste reino. A serra mereceu um afloramento, mas nunca se percebeu muito bem aquilo que era pretendido, se queríamos sobreiros ou não. Quanto ao destino a dar ao Barrocal, uma referência zero.
Concluímos que os pensadores e estrategas do desenvolvimento futuro do Algarve rejeitam essas coisas secundárias e apenas lhes importa discutir o turismo. Até no pensamento somos pobres.
Pomposamente, falou-se do cluster turismo. Mas, mesmo aqui, apenas se ouviu o elogio ao existente e que esta indústria do lazer é a sobrevivência da região, mesmo que tenhamos de importar tudo o que for necessário para a manter.
Em 40 anos de actividade turística, temos que concluir que somos uns amadores. O turismo vai-se desenvolvendo na base do amadorismo, sem regras, sem objectivos que tornem a região um fruto apetecido para além do sol e mar.
Sem querer ofender os verdadeiros profissionais da indústria, que desempenham os seus papéis como sabem e podem, em termos organizativos somos autênticos amadores.
Falemos do turismo cultural, se é que ele existe ou é tido como uma vertente da oferta, para concluirmos que os monumentos não têm guias para os explicar aos visitantes.
Exemplos? O farol do Cabo de S. Vicente foi recuperado, mas encontra-se fechado, sem autorização para visitar. A Sé de Silves, além de estar quase a cair, não tem lá ninguém para dar explicações. Em Faro, foi entregue para exploração o chamado comboio turístico, que circula pela cidade sem um único guia. Turismo de natureza?
Possuímos duas das mais importantes zonas húmidas do país, Ria Formosa e Ria de Alvor. Não há documentos, nem tão pouco guias que mostrem a beleza de duas zonas em vias de extinção, se o homem não as acautelar. De circuitos pedestres, quantos mapas existem?
Se falarmos de informação pela internet, devíamo-nos envergonhar. Porque a pobreza é tão grande, a falta de esclarecimentos é tão notória, que duvidamos que os turistas cheguem a consultar qualquer uma das referências.
Somos tão amadores, e por vezes puristas em nome da Europa, que vamos aniquilando todas as nossas tradições, que são nossas, para nosso consumo e que os turistas querem conhecer e provar.
Em vez de se incentivar a sua manutenção e existência, corta-se o mal pela raiz, introduzindo coisas que retiram todas as características aos nossos produtos.
Em vez de se desmantelar os alambiques, ditos clandestinos, porque não ajudar na sua legalização, sem burocracia estúpida, porque esses homens que ali se encontram no meio da serra mantêm vivos os medronheiros e cuidam da floresta, fabricando um produto apreciado por nós e pelos turistas.
Tem que haver excepções, para que haja diferença. Não queremos uma Europa toda igual. Isso seria uma estupidez. Os povos são diferentes uns dos outros, nos seus costumes, nas suas tradições.
Somos uns amadores e uns paus mandados, porque não conseguimos impor o que é nosso. O turismo é a indústria do lazer, do prazer e do conhecimento. Quem viaja quer aprender as diferenças, para que valha a pena conhecer outras terras e outras gentes.
O turismo não pode apenas ser campos de golfe, hotéis de cinco (e seis) estrelas, marinas... há toda a outra realidade que deve ser mantida viva, para que o turista sinta que viajou para um local diferente da sua terra.
Deixemos de ser amadores, já chega!
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
O Algarve, como região, não tem massa crítica para gerar projectos capazes de o levar para um patamar de auto-suficiência e de progresso.
Quando o líder do Partido Socialista me convidou para estar presente na reunião do seu Conselho Consultivo, na qualidade de jornalista, pedindo a cada pessoa três ideias-chaves para o Algarve, estava convicto de que iria assistir a um enumerar de dados que possibilitariam, no final, ordenar um caderno reivindicativo de fazer inveja aos maiores estudiosos da matéria.
Mas não. Senti-me envergonhado. Cada personagem falou para o seu umbigo, da sua coisinha, como se fosse a coisa mais importante do mundo.
Cada um entendeu que tinha ali na sua coisinha reunidas as linhas orientadores de um futuro risonho para os 500 mil algarvios que já somos.
Durante todo o debate, conversa ou aquilo que se queira chamar ao conclave, nunca ouvi falar em pescas, como se o mar algarvio não existisse, os portos que possuímos não registassem actividade, como se, ainda, não nos restassem algumas embarcações, apesar do muito que se tem vendido aos espanhóis.
Quanto à agricultura, deu-se a junção da sobremesa, que diziam ser bolo de alfarroba, com o alvitre de que podia ser uma espécie a ter em conta.
Mas de alfaces, couves ou figos nada, pois parece ser coisa em fase de extinção neste reino. A serra mereceu um afloramento, mas nunca se percebeu muito bem aquilo que era pretendido, se queríamos sobreiros ou não. Quanto ao destino a dar ao Barrocal, uma referência zero.
Concluímos que os pensadores e estrategas do desenvolvimento futuro do Algarve rejeitam essas coisas secundárias e apenas lhes importa discutir o turismo. Até no pensamento somos pobres.
Pomposamente, falou-se do cluster turismo. Mas, mesmo aqui, apenas se ouviu o elogio ao existente e que esta indústria do lazer é a sobrevivência da região, mesmo que tenhamos de importar tudo o que for necessário para a manter.
Em 40 anos de actividade turística, temos que concluir que somos uns amadores. O turismo vai-se desenvolvendo na base do amadorismo, sem regras, sem objectivos que tornem a região um fruto apetecido para além do sol e mar.
Sem querer ofender os verdadeiros profissionais da indústria, que desempenham os seus papéis como sabem e podem, em termos organizativos somos autênticos amadores.
Falemos do turismo cultural, se é que ele existe ou é tido como uma vertente da oferta, para concluirmos que os monumentos não têm guias para os explicar aos visitantes.
Exemplos? O farol do Cabo de S. Vicente foi recuperado, mas encontra-se fechado, sem autorização para visitar. A Sé de Silves, além de estar quase a cair, não tem lá ninguém para dar explicações. Em Faro, foi entregue para exploração o chamado comboio turístico, que circula pela cidade sem um único guia. Turismo de natureza?
Possuímos duas das mais importantes zonas húmidas do país, Ria Formosa e Ria de Alvor. Não há documentos, nem tão pouco guias que mostrem a beleza de duas zonas em vias de extinção, se o homem não as acautelar. De circuitos pedestres, quantos mapas existem?
Se falarmos de informação pela internet, devíamo-nos envergonhar. Porque a pobreza é tão grande, a falta de esclarecimentos é tão notória, que duvidamos que os turistas cheguem a consultar qualquer uma das referências.
Somos tão amadores, e por vezes puristas em nome da Europa, que vamos aniquilando todas as nossas tradições, que são nossas, para nosso consumo e que os turistas querem conhecer e provar.
Em vez de se incentivar a sua manutenção e existência, corta-se o mal pela raiz, introduzindo coisas que retiram todas as características aos nossos produtos.
Em vez de se desmantelar os alambiques, ditos clandestinos, porque não ajudar na sua legalização, sem burocracia estúpida, porque esses homens que ali se encontram no meio da serra mantêm vivos os medronheiros e cuidam da floresta, fabricando um produto apreciado por nós e pelos turistas.
Tem que haver excepções, para que haja diferença. Não queremos uma Europa toda igual. Isso seria uma estupidez. Os povos são diferentes uns dos outros, nos seus costumes, nas suas tradições.
Somos uns amadores e uns paus mandados, porque não conseguimos impor o que é nosso. O turismo é a indústria do lazer, do prazer e do conhecimento. Quem viaja quer aprender as diferenças, para que valha a pena conhecer outras terras e outras gentes.
O turismo não pode apenas ser campos de golfe, hotéis de cinco (e seis) estrelas, marinas... há toda a outra realidade que deve ser mantida viva, para que o turista sinta que viajou para um local diferente da sua terra.
Deixemos de ser amadores, já chega!
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.