Desmancho = Aborto = IVG
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
Passaram oito anos sobre o referendo do desmancho, aborto ou interrupção voluntária da gravidez (IVG), como se lhe queira chamar: na voz do povo das aldeias, das médias e pequenas cidades e ou nas classes média e alta. A mesma coisa, com nomes bem diferentes.
O que importa reflectir é que, no tempo que medeia entre o último referendo e o próximo, nada se passou que pudesse dignificar a mulher.
Quem pode e tem dinheiro recorre aos locais sofisticados, vai a Espanha e assume com toda a naturalidade, na sociedade que a rodeia, o acto que praticou, sem sequer ser incomodada.
As que não podem, recorrem à parteira de vão de escada, à casa particular, correm riscos de vida e, para cúmulo, se têm o azar de se cruzarem com algum purista da hipocrisia, lá são denunciadas à polícia, entra processo no Tribunal, são enxovalhadas na sua condição de mulheres e correm o sério risco de passar por uma prisão, o que, até ao momento, felizmente ainda não se verificou.
Em abono da verdade, o que se vai votar é a despenalização da interrupção voluntária da gravidez se realizada até às 10 semanas, porque a execução prática e legal do aborto está consagrada na lei desde os anos de 80.
Porque, senhores puristas da hipocrisia, tanto faz que ganhe o sim ou não, que os desmanchos continuam a ser feitos clandestinamente, os abortos entre uma e outra situação, e a interrupção voluntária da gravidez far-se-á em clínicas sofisticadas de Espanha e mesmo em Portugal.
Porque nesta questão, para além de cada mulher ter o direito de dispor do seu corpo como bem entenda, o que está em causa é o custo de cada uma destas operações – quem não tem dinheiro vai ao vão de escada e quem o tem recorre ao médico da especialidade e ao conforto de uma clínica.
Para a concepção de um ser humano ou de qualquer outro animal é sempre necessário haver a fecundação entre macho e fêmea. Porque razão se prende a fêmea e se deixa o macho, depois de ter tido todo o prazer sexual, andar à solta? Ele não é o pai? A decisão de fazer um desmancho, um aborto ou uma interrupção voluntária da gravidez, na esmagadora maioria dos casos, é tomada em conjunto.
Homem e mulher discutem o assunto e chegam a uma conclusão – interromper ou não! Porque se coloca a mulher na barra do Tribunal e não o homem, também?
O desmancho, aborto ou interrupção voluntária da gravidez pode ser feito de várias maneiras - recorrendo a uma operação, tomando alguns comprimidos que originam hemorragias ou o comprimido próprio para o efeito.
O que se pretende, com uma nova lei, é que a mulher seja tratada com a dignidade de um ser humano, mesmo quando toma esta opção.
Por muito que custe às religiões, aos puristas de um certo conceito de sociedade, aos hipócritas, em todas estas áreas há e continuará a haver uma cumplicidade para com aquilo a que chamam crime, desde que seja necessário para o bem da sua causa. Não podemos esconder o sol com uma peneira. Ou alguém tem dúvidas de que a clandestinidade irá continuar?
O Estado tem um papel social a desempenhar neste contexto, que passa, essencialmente, por dar cobertura à mãe e à família. Mas onde estão as creches para os casais de menores recursos?
Os pais, numa larga maioria, têm que trabalhar e constituir um lar, com alguma comodidade, o que os leva a prescindir de ter filhos numa fase inicial da sua vida.
Criar um filho, hoje em dia, requer um orçamento e em muitos casos apoios logísticos que não existem. Tudo aquilo que se afirma a nível da responsabilidade e do respeito pelo valor da vida, não passa de mera propaganda, porque, no dia seguinte ao referendo, os chavões caem pela base e mais ninguém se lembra deles.
Criar condições alternativas à mulher para que não escolha a interrupção voluntária da gravidez implica envolver o Estado, que não tem uma política, nem um programa, nem tão pouco dinheiro para esquematizar um tempo onde a mãe é mãe, para além dos cinco meses que fica em casa sem trabalhar, construindo alicerces que passam por infantários e creches com qualidade.
Os apoiantes do sim querem dignificar a mulher, dar-lhe a liberdade de escolha, torná-la um ser responsável com capacidade para optar. Os que votam não, querem que tudo fique na mesma, sabendo que, em oito anos, nada se fez e nada se fará daquilo que apregoam.
Fazem-no por mera hipocrisia. No meu caso, vou votar «sim», porque quero que a mulher seja livre e dona do seu corpo, e, porque o seu cúmplice não é apontado como tal. Não há lei que corte a liberdade de opção de quem esteja aflito...
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
Passaram oito anos sobre o referendo do desmancho, aborto ou interrupção voluntária da gravidez (IVG), como se lhe queira chamar: na voz do povo das aldeias, das médias e pequenas cidades e ou nas classes média e alta. A mesma coisa, com nomes bem diferentes.
O que importa reflectir é que, no tempo que medeia entre o último referendo e o próximo, nada se passou que pudesse dignificar a mulher.
Quem pode e tem dinheiro recorre aos locais sofisticados, vai a Espanha e assume com toda a naturalidade, na sociedade que a rodeia, o acto que praticou, sem sequer ser incomodada.
As que não podem, recorrem à parteira de vão de escada, à casa particular, correm riscos de vida e, para cúmulo, se têm o azar de se cruzarem com algum purista da hipocrisia, lá são denunciadas à polícia, entra processo no Tribunal, são enxovalhadas na sua condição de mulheres e correm o sério risco de passar por uma prisão, o que, até ao momento, felizmente ainda não se verificou.
Em abono da verdade, o que se vai votar é a despenalização da interrupção voluntária da gravidez se realizada até às 10 semanas, porque a execução prática e legal do aborto está consagrada na lei desde os anos de 80.
Porque, senhores puristas da hipocrisia, tanto faz que ganhe o sim ou não, que os desmanchos continuam a ser feitos clandestinamente, os abortos entre uma e outra situação, e a interrupção voluntária da gravidez far-se-á em clínicas sofisticadas de Espanha e mesmo em Portugal.
Porque nesta questão, para além de cada mulher ter o direito de dispor do seu corpo como bem entenda, o que está em causa é o custo de cada uma destas operações – quem não tem dinheiro vai ao vão de escada e quem o tem recorre ao médico da especialidade e ao conforto de uma clínica.
Para a concepção de um ser humano ou de qualquer outro animal é sempre necessário haver a fecundação entre macho e fêmea. Porque razão se prende a fêmea e se deixa o macho, depois de ter tido todo o prazer sexual, andar à solta? Ele não é o pai? A decisão de fazer um desmancho, um aborto ou uma interrupção voluntária da gravidez, na esmagadora maioria dos casos, é tomada em conjunto.
Homem e mulher discutem o assunto e chegam a uma conclusão – interromper ou não! Porque se coloca a mulher na barra do Tribunal e não o homem, também?
O desmancho, aborto ou interrupção voluntária da gravidez pode ser feito de várias maneiras - recorrendo a uma operação, tomando alguns comprimidos que originam hemorragias ou o comprimido próprio para o efeito.
O que se pretende, com uma nova lei, é que a mulher seja tratada com a dignidade de um ser humano, mesmo quando toma esta opção.
Por muito que custe às religiões, aos puristas de um certo conceito de sociedade, aos hipócritas, em todas estas áreas há e continuará a haver uma cumplicidade para com aquilo a que chamam crime, desde que seja necessário para o bem da sua causa. Não podemos esconder o sol com uma peneira. Ou alguém tem dúvidas de que a clandestinidade irá continuar?
O Estado tem um papel social a desempenhar neste contexto, que passa, essencialmente, por dar cobertura à mãe e à família. Mas onde estão as creches para os casais de menores recursos?
Os pais, numa larga maioria, têm que trabalhar e constituir um lar, com alguma comodidade, o que os leva a prescindir de ter filhos numa fase inicial da sua vida.
Criar um filho, hoje em dia, requer um orçamento e em muitos casos apoios logísticos que não existem. Tudo aquilo que se afirma a nível da responsabilidade e do respeito pelo valor da vida, não passa de mera propaganda, porque, no dia seguinte ao referendo, os chavões caem pela base e mais ninguém se lembra deles.
Criar condições alternativas à mulher para que não escolha a interrupção voluntária da gravidez implica envolver o Estado, que não tem uma política, nem um programa, nem tão pouco dinheiro para esquematizar um tempo onde a mãe é mãe, para além dos cinco meses que fica em casa sem trabalhar, construindo alicerces que passam por infantários e creches com qualidade.
Os apoiantes do sim querem dignificar a mulher, dar-lhe a liberdade de escolha, torná-la um ser responsável com capacidade para optar. Os que votam não, querem que tudo fique na mesma, sabendo que, em oito anos, nada se fez e nada se fará daquilo que apregoam.
Fazem-no por mera hipocrisia. No meu caso, vou votar «sim», porque quero que a mulher seja livre e dona do seu corpo, e, porque o seu cúmplice não é apontado como tal. Não há lei que corte a liberdade de opção de quem esteja aflito...
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.