terça-feira, novembro 14, 2006

O PARTIDO SOCIALISTA PARECE JÁ TER APRENDIDO A LIÇÃO ESPANHOLA

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

PS/Congresso: Salário mínimo e aborto marcam discurso final de Sócrates

José Sócrates encerrou ontem o Congresso do PS com um discurso a anunciar uma política mais ambiciosa para o salário mínimo até 2009 e a esclarecer que o aborto será despenalizado caso vença o "sim" em referendo. "

É mais um sinal claro de que Sócrates abandona o miserabilismo que caracterizou a política económica de Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres ou Durão Barroso (S. Lopes não tinha política nenhuma), sempre uma política económica de "conservador de museu" que privilegiou e subsidiou indústrias e empresas inviáveis, sem capital, sem estratégia e sem management, em detrimento do aumento do poder de aquisição dos assalariados (que não podia subir para não rebentar essas estruturas empresariais arcaicas e inviáveis). O que tem piada é que os sindicatos da CGTP (e, em menor medida, também os da UGT) foram os principais cúmplices desta política, recebendo a sua contrapartida através dos dinheiros do Fundo Social Europeu, que serviu fundamentalmente para comprar sindicatos e associações patronais (representados no concerto financeiro da "consertação" social)... Tudo anunciado e apregoado como “política de defesa dos postos de trabalho”… E assim se estorricaram milhões de milhões! Paletes de notas de mil atiradas para cima dos fogos que se pretendia apagar…

Esta política económica foi a oposta da aposta desenvolvida, aqui ao lado em Madrid, pelo socialista Felipe Gonzalez, essa sim de esquerda, porque sempre a dar prioridade aos interesses dos assalariados e arrasadora das estruturas e dos agentes económicos da economia franquista, e, paradoxalmente, preparadora da dinâmica economia de mercado da Espanha actual...

É essa política miserabilista, contra os interesses dos assalariados mas defensora à outrance do complexo económico neo-corporativo e salazarento , que Sócrates tem dado repetidos sinais concretos de querer abandonar e dá agora mais este dos "aumentos ambiciosos do salário mínimo até 2009".

E um outro sinal ainda: José Sócrates é inequívoco na questão do aborto e abandona as posições conservadoras, em questões societais, que marcaram anteriores consulados no PS (e não só o de António Guterres, mas sim de todos os anteriores secretários-gerais que assumiram posições ultramontanas em matérias de cultura e costumes, deixando aberto o campo ao rancho folclórico urbano do Bloco de Esquerda...). Também aqui, tudo o indica, Sócrates leva o PS a aprender a lição do PSOE... Já não era sem tempo!

E, a propósito, qual o eco em Espanha de uma eventual acusação a Felipe de "no ser de izquierdas"...? O PSOE é a esquerda em Espanha e não há mais nada de real à sua esquerda, nem se fala mais nisso! Aqui, na ocidental praia lusitana, é que a "política económica de conservador de museu" (em defesa dos interesses e da permanência do complexo económico neo-corporativo e salazarento...) e as "posições ultramontanas em matéria de cultura e de costumes" é que permitiram que resíduos não-reciclados da guerra fria e margens folclóricas se auto-outorgassem o papel de norma e medida do "ser de esquerda"...

No fundo, por inépcia e/ou ausência de cálculo estratégico, o PS tem andado há décadas a alimentar (no sentido literal) e a criar e oferecer espaço político a quem faz da luta de morte ao PS a sua razão de ser!

Parece que esses tempos acabaram. Ainda bem e já era sem tempo!

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.