Algarve perde o comboio
por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)
Quase ao mesmo tempo que em França se comemoram os 25 anos da inauguração do TGV, em Portugal celebra-se os 150 anos da criação da primeira ligação ferroviária, Lisboa-Carregado.
E enquanto os franceses, que têm actualmente em circulação 650 TGV, servindo 250 destinos, se preparam para inaugurar uma nova ligação Paris - Estrasburgo e os nossos vizinhos espanhóis querem levar o AVE até Huelva, no próximo ano, Portugal o melhor que conseguiu fazer, em termos de modernização do transporte ferroviário, foi trazer o Alfa pendular até Faro, reduzindo a viagem a 3 horas. Um contraste paradigmático do nosso atraso em relação à Europa, apesar da revolução democrática e de duas décadas de integração europeia.
E enquanto se protesta já com a mudança de estratégia para a "alta velocidade", por parte do actual governo, que deixa de fora, por agora e provavelmente até às calendas, o Algarve, a secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino vai anunciando, como que à laia de compensação, que está em fase de conclusão o estudo que vai definir o novo modelo de transporte ferroviário para a Região algarvia que, muito provavelmente, irá ser um "Tramtrain", um comboio mais rápido que um metropolitano e que transporta mais passageiros que um metro de superfície.
Mas por enquanto, de concreto, o que está anunciado é a conclusão desse estudo até ao próximo Verão, porque a obra ainda não tem calendário conhecido e implicará, como é óbvio, a modernização da actual linha, ao nível da infra-estrutura básica e do material circulante. Prevendo-se, também, a criação de metro de superfície na área de Faro e Portimão, que Macário Correia quer estender até Tavira.
Com o Algarve fora das prioridades do governo em matéria de "alta velocidade", resta aos algarvios baterem o pé a uma maioria que faz ouvidos moucos às reivindicações e se não quiserem perder o AV(?) - o nome do futuro comboio ainda está em estudo - irem apanhá-lo à estação mais próxima, Huelva, que se assumirá, cada vez mais, como porta de saída do Algarve, como todas as consequências negativas para o nosso turismo e altamente favoráveis para a afirmação do "Spanish Algarve".
Como o Algarve não costuma fazer-se ouvir a uma só voz quando é preciso defender-se o interesse da Região, por enquanto são apenas José Vitorino e o movimento "Faro no Coração" os protagonistas de uma indignação e revolta, que anunciam levar até Bruxelas com a apresentação formal de uma queixa contra o Estado português, por violação do Tratado da União Europeia, que dá prioridade às redes transeuropeias de transportes e ao combate ao periferismo. Será que, num Algarve dividido por tantas "capelas", chegará a ser possível falar-se em uníssono?
Infelizmente grande parte do nosso atraso radica na ausência de uma acção de lobby, que, por sua vez, é consequência da partidarização da coisa pública, do carreirismo e do clientelismo. O Algarve a uma só voz não existe!
NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
A proposta do tramtrain não é nova de todo, pois foi apresentada publicamente nas Novas Fronteiras em 2002, mostrando-se como a mais adequada para compensar zonas urbanas mal servidas por transportes públicos...
De Portimão a Faro, a linha férrea passa longe do litoral (Armação de Pera, Albufeira, Vilamoura e Quarteira, etc.) e das grandes zonas habitacionais (Loulé é o caso mais flagrante), fugindo dos potenciais utentes e carregando os eixos viários de automóveis e mais automóveis...
Com excepção do eixo Tunes-Faro, a linha precisa de intervenção urgente há mais de vinte anos. Há várias soluções em cima da mesa, resta saber qual é a mais adequada, mas certamente nenhuma delas constituirá alternativa à Via do Infante!
PS - Antes do TGV, façam a ligação de Faro a Huelva com urgência. É mais barato e responde às expectativas dos algarvios de aquém e além Guadiana!