Afinal, há um Deus que faz o desmancho
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
Os portugueses não se devem intimidar com preconceitos religiosos ou outro tipo de afirmações.
A nossa sociedade, por muito que queiramos fazer crer aos outros que é justa, não passa de um sistema de hipocrisia. As religiões mandam matar pessoas em nome do seu Deus.
Basta olharmos para o número infinito de guerras que grassa pelo Mundo, para concluirmos que as religiões estão na sua base – são os fiéis contra os infiéis e vice-versa.
Infelizmente, ninguém condena essa mortandade. Ninguém condena com força as crueldades que tantos religiosos praticam nos jovens.
A Igreja Católica, se se lembrar da Inquisição e das perseguições que mandou fazer, das suas Cruzadas, deveria ficar calada e não apelar com demagogias ao «não». Os movimentos religiosos não podem alegar seja o que for. Quantos padres não terão mandado as suas serviçais (ditas irmãs) fazer o desmancho?
Onde está a humildade e o sentido ético de perdoar, quando se defende que a mulher deve ir parar à cadeia, porque resolveu fazer a interrupção da sua gravidez?
Onde paira o humanismo dos que defendem o «não», quando sabem que nos bairros mais pobres e em famílias de baixos rendimentos, o recurso ao aborto clandestino é normal? Quantas das vezes não é a própria mulher a enfiar agulhas, a colocar todo o tipo de porcarias que lhe possam atingir o útero, de forma a abortar?
Depois, entramos na análise da prática escolar – onde está o ensino da educação sexual? Quantos jovens têm acesso a explicações claras e precisas de que a gravidez pode ser evitada? Que capacidade tem uma criança de doze anos para educar um filho?
A gravidez de uma mulher pode acontecer ao mais pequeno descuido e basta que esteja a tomar um antibiótico para a gripe em conjunto com a pílula, para que o efeito possa passar a ser nulo e, sem saber bem porquê, aí está o que não era desejado!
Brincar com a vida é deixar nascer crianças que depois passam fome, que não têm direito a um lar, que são marginalizados e explorados, introduzidos nos esquemas da pornografia infantil e na prostituição. É isto que querem as pessoas que dizem «não»?
Todas as famílias querem ter um herdeiro ou dois. Mas todas elas desejam para eles coisas muito melhores do que aquelas que tiveram para si. E se possível dar-lhes uma educação que os torne homens com capacidade para enfrentar as agruras da vida.
Tenhamos consciência de que ninguém opta por fazer um desmancho, aborto ou IVG de ânimo leve. Ou será que essa classe média/alta pensa que não existe pobreza em Portugal? Que o país é apenas esta periferia?
O que se vai votar é a despenalização da mulher. Nenhuma mulher merece ser presa só porque resolveu abortar, dentro dos limites razoáveis e permitidos por lei. A decisão é sua, o corpo é seu, aquele princípio de ovo é seu, não é de mais ninguém.
«José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia da Campanhã, Porto, um dos envolvidos no famoso julgamento da Maia, que sentou 43 arguidas no banco dos réus, e em que uma enfermeira-parteira foi condenada a oito anos de prisão, confessou que sim, que encaminhava as mulheres para aquela morada.
“Mulheres que viviam no limiar da condição humana. Que não podiam ter mais um filho porque já nem comer tinham para dar aos outros”, disse. Por conhecer tão bem a pobreza, indigna-se quando ouve os movimentos pelo “não” assumirem-se “pela vida”. Como se quem aborta fosse “pela morte”. “Eu tão bem sou pela vida! Mas pela vida em abundância, pela vida desejada e com condições”, reforçou». São declarações feitas ao «Diário de Notícias», que retratam a realidade, uma realidade que muitos que falam em nome do «não» desconhecem e nem coragem têm de lá se aproximar.
Os portugueses no próximo dia 11 de Fevereiro vão votar no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Pode ganhar o «sim», pode ganhar o «não».
Para o povo pobre, analfabeto, que nem se deu ao trabalho de ir votar, muito possivelmente, é indiferente todo o barulho que se anda a fazer pelas televisões, pelas ruas, nas salas, nos folhetos e em mil uma maneiras de gastar dinheiro, que fazia falta a milhares de crianças com fome.
Para esse povo anónimo, que não lida com as palavras sofisticadas de aborto ou interrupção voluntária da gravidez, mas, tão simplesmente, fala em desmancho, para essas mulheres, tudo vai continuar como dantes, utilizando as agulhas de tricô, o raminho de salsa até ao útero e até as mezinhas de alguma vidente, que, depois de lhe introduzir os líquidos, lhe reza alguma oração e termina dizendo «se Deus achar por bem, o desmancho acontece. Senão... paciência, nada feito». Afinal, há um Deus que faz o desmancho...
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
Os portugueses não se devem intimidar com preconceitos religiosos ou outro tipo de afirmações.
A nossa sociedade, por muito que queiramos fazer crer aos outros que é justa, não passa de um sistema de hipocrisia. As religiões mandam matar pessoas em nome do seu Deus.
Basta olharmos para o número infinito de guerras que grassa pelo Mundo, para concluirmos que as religiões estão na sua base – são os fiéis contra os infiéis e vice-versa.
Infelizmente, ninguém condena essa mortandade. Ninguém condena com força as crueldades que tantos religiosos praticam nos jovens.
A Igreja Católica, se se lembrar da Inquisição e das perseguições que mandou fazer, das suas Cruzadas, deveria ficar calada e não apelar com demagogias ao «não». Os movimentos religiosos não podem alegar seja o que for. Quantos padres não terão mandado as suas serviçais (ditas irmãs) fazer o desmancho?
Onde está a humildade e o sentido ético de perdoar, quando se defende que a mulher deve ir parar à cadeia, porque resolveu fazer a interrupção da sua gravidez?
Onde paira o humanismo dos que defendem o «não», quando sabem que nos bairros mais pobres e em famílias de baixos rendimentos, o recurso ao aborto clandestino é normal? Quantas das vezes não é a própria mulher a enfiar agulhas, a colocar todo o tipo de porcarias que lhe possam atingir o útero, de forma a abortar?
Depois, entramos na análise da prática escolar – onde está o ensino da educação sexual? Quantos jovens têm acesso a explicações claras e precisas de que a gravidez pode ser evitada? Que capacidade tem uma criança de doze anos para educar um filho?
A gravidez de uma mulher pode acontecer ao mais pequeno descuido e basta que esteja a tomar um antibiótico para a gripe em conjunto com a pílula, para que o efeito possa passar a ser nulo e, sem saber bem porquê, aí está o que não era desejado!
Brincar com a vida é deixar nascer crianças que depois passam fome, que não têm direito a um lar, que são marginalizados e explorados, introduzidos nos esquemas da pornografia infantil e na prostituição. É isto que querem as pessoas que dizem «não»?
Todas as famílias querem ter um herdeiro ou dois. Mas todas elas desejam para eles coisas muito melhores do que aquelas que tiveram para si. E se possível dar-lhes uma educação que os torne homens com capacidade para enfrentar as agruras da vida.
Tenhamos consciência de que ninguém opta por fazer um desmancho, aborto ou IVG de ânimo leve. Ou será que essa classe média/alta pensa que não existe pobreza em Portugal? Que o país é apenas esta periferia?
O que se vai votar é a despenalização da mulher. Nenhuma mulher merece ser presa só porque resolveu abortar, dentro dos limites razoáveis e permitidos por lei. A decisão é sua, o corpo é seu, aquele princípio de ovo é seu, não é de mais ninguém.
«José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia da Campanhã, Porto, um dos envolvidos no famoso julgamento da Maia, que sentou 43 arguidas no banco dos réus, e em que uma enfermeira-parteira foi condenada a oito anos de prisão, confessou que sim, que encaminhava as mulheres para aquela morada.
“Mulheres que viviam no limiar da condição humana. Que não podiam ter mais um filho porque já nem comer tinham para dar aos outros”, disse. Por conhecer tão bem a pobreza, indigna-se quando ouve os movimentos pelo “não” assumirem-se “pela vida”. Como se quem aborta fosse “pela morte”. “Eu tão bem sou pela vida! Mas pela vida em abundância, pela vida desejada e com condições”, reforçou». São declarações feitas ao «Diário de Notícias», que retratam a realidade, uma realidade que muitos que falam em nome do «não» desconhecem e nem coragem têm de lá se aproximar.
Os portugueses no próximo dia 11 de Fevereiro vão votar no referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Pode ganhar o «sim», pode ganhar o «não».
Para o povo pobre, analfabeto, que nem se deu ao trabalho de ir votar, muito possivelmente, é indiferente todo o barulho que se anda a fazer pelas televisões, pelas ruas, nas salas, nos folhetos e em mil uma maneiras de gastar dinheiro, que fazia falta a milhares de crianças com fome.
Para esse povo anónimo, que não lida com as palavras sofisticadas de aborto ou interrupção voluntária da gravidez, mas, tão simplesmente, fala em desmancho, para essas mulheres, tudo vai continuar como dantes, utilizando as agulhas de tricô, o raminho de salsa até ao útero e até as mezinhas de alguma vidente, que, depois de lhe introduzir os líquidos, lhe reza alguma oração e termina dizendo «se Deus achar por bem, o desmancho acontece. Senão... paciência, nada feito». Afinal, há um Deus que faz o desmancho...
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.