A procriação é a próxima batalha do «não»
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
Nada é igual ao passado recente. O referendo, sem dar uma maioria confortável ao «sim», nem tão pouco o tornar vinculativo, porque a abstenção foi enorme, mostrou que as mentalidades mudaram, embora o Norte continue agarrado aos princípios religiosos e ao medo, e que, num futuro próximo, os políticos, como é seu dever, vão legislar para que a mulher possa ter a sua dignidade assegurada.
O projecto-lei, para o aborto até às 10 semanas, diz, mais ao menos o seguinte: «não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, a pedido da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente».
Em princípio, não há razões para continuar a haver o aborto clandestino. Mas todos estamos conscientes de que, por uma questão de cultura, de um povo onde o medo e a vergonha ainda existem, se continue a praticar o desmancho à velha maneira.
É o caminho da educação e do esclarecimento que deve ser encetado pelo Estado. Sem receio de meter ombros a uma campanha de esclarecimento que percorra as aldeias, as escolas, o interior do país tão esquecido.
Os governantes, sem complexos, devem pegar na nossa realidade, de país maioritariamente inculto, e criar mecanismos que possam alterar significativamente as coisas.
Os avanços de Portugal não se fazem, porque nos julgamos iguais aos outros, dessa Europa onde já não se admite o referendo ao aborto e a prática é comum. Mostrámos o nosso verdadeiro atraso.
Somos um povo adverso à modernização da nossa educação, consumimos tudo o que não devíamos, apenas porque é moda, relegamos as nossas tradições e os nossos produtos porque queremos ser iguais a uma Europa da qual estamos afastadas mais de 50 anos.
Construímos uma sociedade acima das nossas verdadeiras possibilidades. Porque os governantes mentiram e nunca foram capazes de escrever preto no branco – somos um país da periferia, pobre e cheio de lacunas a todos os níveis.
Sem estratégia, mas armado em rico por fora, mas pobre por dentro.
Os movimentos do «sim» alcançaram uma pequena vitória - a despenalização do aborto até às dez semanas.
Aos movimentos do «não» é justo que se peça coragem e capacidade empreendedora, para que, nos próximos tempos, concebam os seus actos sexuais de forma reprodutora, sem utilizar meios como a pílula ou o preservativo e outros, para que possamos, daqui a nove ou dez meses orgulharmo-nos de todos eles, anunciando ao mundo que a população portuguesa rejuvenesceu com o nascimento de uns milhares de crianças.
Porque os portugueses que se assumiram pelo «não», demonstrando estar contra o aborto, logo, querendo que o nascimento se realizasse, devem ser o exemplo para os outros que negam essa realidade.
Sabendo-se que Portugal está a envelhecer, é suposto que os defensores do nascimento devem ser procriadores.
O nosso pedido, em nome do crescimento populacional, é que todos os portugueses que votaram «não» se tornem pais se ainda não o são, ou voltem a ter mais um filho, porque, caso não o façam, estão a contribuir para as estatísticas de forma negativa e, então, é possível que cheguemos ao final do ano com mais abortos do que nascimentos. As pessoas do «não» devem lutar para derrotar as do «sim».
A procriação deve ser a vossa próxima batalha, exigindo a vós próprios aquilo que exigiam a todos os que não concordavam convosco. Mãos à obra.
Já agora, se algum de vós, que votou «não», tiver que recorrer ao aborto, que o faça na clandestinidade ou então, em consciência e verdade, transmita ao médico que votou contra no referendo, mas que, por razões imponderáveis, quer abortar.
O referendo do passado domingo vai permitir, segundo promessa do Partido Socialista, alterar a lei. Tudo apontava para que fosse em 2008 que isso se verificasse, mas, a expressão do «sim», com o país a responder ao apelo do primeiro-ministro, é bem possível que a lei venha a ser revista ainda no decorrer do presente ano.
Porque os socialistas querem aproveitar as vitórias e dar ao povo aquilo que ele exigiu e nada melhor, quando a economia está paralisada, do que avançar com coisas populares, que pouco ou quase nada custam, mesmo em termos de Orçamento de Estado.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
Nada é igual ao passado recente. O referendo, sem dar uma maioria confortável ao «sim», nem tão pouco o tornar vinculativo, porque a abstenção foi enorme, mostrou que as mentalidades mudaram, embora o Norte continue agarrado aos princípios religiosos e ao medo, e que, num futuro próximo, os políticos, como é seu dever, vão legislar para que a mulher possa ter a sua dignidade assegurada.
O projecto-lei, para o aborto até às 10 semanas, diz, mais ao menos o seguinte: «não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, a pedido da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente».
Em princípio, não há razões para continuar a haver o aborto clandestino. Mas todos estamos conscientes de que, por uma questão de cultura, de um povo onde o medo e a vergonha ainda existem, se continue a praticar o desmancho à velha maneira.
É o caminho da educação e do esclarecimento que deve ser encetado pelo Estado. Sem receio de meter ombros a uma campanha de esclarecimento que percorra as aldeias, as escolas, o interior do país tão esquecido.
Os governantes, sem complexos, devem pegar na nossa realidade, de país maioritariamente inculto, e criar mecanismos que possam alterar significativamente as coisas.
Os avanços de Portugal não se fazem, porque nos julgamos iguais aos outros, dessa Europa onde já não se admite o referendo ao aborto e a prática é comum. Mostrámos o nosso verdadeiro atraso.
Somos um povo adverso à modernização da nossa educação, consumimos tudo o que não devíamos, apenas porque é moda, relegamos as nossas tradições e os nossos produtos porque queremos ser iguais a uma Europa da qual estamos afastadas mais de 50 anos.
Construímos uma sociedade acima das nossas verdadeiras possibilidades. Porque os governantes mentiram e nunca foram capazes de escrever preto no branco – somos um país da periferia, pobre e cheio de lacunas a todos os níveis.
Sem estratégia, mas armado em rico por fora, mas pobre por dentro.
Os movimentos do «sim» alcançaram uma pequena vitória - a despenalização do aborto até às dez semanas.
Aos movimentos do «não» é justo que se peça coragem e capacidade empreendedora, para que, nos próximos tempos, concebam os seus actos sexuais de forma reprodutora, sem utilizar meios como a pílula ou o preservativo e outros, para que possamos, daqui a nove ou dez meses orgulharmo-nos de todos eles, anunciando ao mundo que a população portuguesa rejuvenesceu com o nascimento de uns milhares de crianças.
Porque os portugueses que se assumiram pelo «não», demonstrando estar contra o aborto, logo, querendo que o nascimento se realizasse, devem ser o exemplo para os outros que negam essa realidade.
Sabendo-se que Portugal está a envelhecer, é suposto que os defensores do nascimento devem ser procriadores.
O nosso pedido, em nome do crescimento populacional, é que todos os portugueses que votaram «não» se tornem pais se ainda não o são, ou voltem a ter mais um filho, porque, caso não o façam, estão a contribuir para as estatísticas de forma negativa e, então, é possível que cheguemos ao final do ano com mais abortos do que nascimentos. As pessoas do «não» devem lutar para derrotar as do «sim».
A procriação deve ser a vossa próxima batalha, exigindo a vós próprios aquilo que exigiam a todos os que não concordavam convosco. Mãos à obra.
Já agora, se algum de vós, que votou «não», tiver que recorrer ao aborto, que o faça na clandestinidade ou então, em consciência e verdade, transmita ao médico que votou contra no referendo, mas que, por razões imponderáveis, quer abortar.
O referendo do passado domingo vai permitir, segundo promessa do Partido Socialista, alterar a lei. Tudo apontava para que fosse em 2008 que isso se verificasse, mas, a expressão do «sim», com o país a responder ao apelo do primeiro-ministro, é bem possível que a lei venha a ser revista ainda no decorrer do presente ano.
Porque os socialistas querem aproveitar as vitórias e dar ao povo aquilo que ele exigiu e nada melhor, quando a economia está paralisada, do que avançar com coisas populares, que pouco ou quase nada custam, mesmo em termos de Orçamento de Estado.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.