quarta-feira, fevereiro 14, 2007

A propósito do sismo


por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

Descartando as interpretações fantasistas dos que, caindo na tentação de tratar levianamente assuntos sérios, não se têm coibido de estabelecer uma certa analogia entre a vitória do "sim" no referendo do último domingo e o sismo da passada segunda-feira, como se a vontade das pessoas se pudesse alguma vez conjugar com os desígnios da Natureza, a verdade é que, no domínio do simbólico, pode efectivamente considerar-se que Portugal sofreu, quase em simultâneo, dois terramotos.

Um na verdadeira acepção da palavra, sem consequências mas que nos fez temer o pior, trazendo-nos à lembrança os sismos de 1755 e 1969 e o facto, por vezes esquecido, de que vivemos numa zona sísmica.

Outro, em sentido figurado, mas com consequências para o país, particularmente para as mulheres portuguesas – todas elas, mesmo as que votaram “não” – que vão poder escolher, a partir de agora, o momento da sua maternidade sem que sobre elas volte a pairar a ameaça de uma pena de prisão. Um "sismo" apenas no sentido em que se deu uma ruptura com um passado arcaico.

Feito este preâmbulo, analisemos, então, o verdadeiro sismo da passada segunda-feira, sobretudo no plano da prevenção e da emergência face ao perigo. Particularmente em locais de grande concentração de pessoas, como acontece nas escolas.

"Estávamos a fazer a correcção de um teste e quisemos proteger-nos debaixo das carteiras e o professor não nos deixou, alegando que isto já passava" - contou ao Jornal do Algarve uma aluna, numa revelação preocupante mas sintomática da leviandade com que muita gente, sobretudo os que têm a voz de comando, encararam o fenómeno.

Provavelmente, a esmagadora maioria das escolas agiram em conformidade com os planos de emergência que possuem para situações como a que se viveu, mas ainda que fosse apenas uma escola a não cumprir esse plano, o que não é o caso – temos conhecimento que foram muitas mais a negligenciar a situação – para nós já é preocupante e motivo de reflexão. E mais preocupante é, ainda, saber que muitos alunos que queriam aplicar os procedimentos que assimilaram nas várias simulações ensaiadas em caso de sismo, como por exemplo a situação atrás relatada, foram impedidos de o fazer pelos respectivos professores.

Vivemos numa zona sísmica. O Algarve já sofreu um grande abalo (8,7 graus na escala de Richter) em 1755, que destruiu Lisboa e arrasou o litoral algarvio e outro em 1969, também no mês de Fevereiro que atingiu 7,5 na escala de Richter.

Frequentemente se noticia este perigo, se divulgam normas de procedimento preventivo, durante e depois do sismo. De quando em quando, fazem-se simulações nas escolas. Produz-se legislação com normas de construção anti-sísmica, que não é fiscalizada. Porém, na hora de se enfrentar uma situação real parece prevalecer o improviso e a leviandade, como se estivéssemos a salvo de um terramoto de maiores consequências.

Para uma reacção adequada a uma crise sísmica, é preciso ter-se em conta, como diria La Palisse, que quando a terra começa a tremer ninguém pode prever o grau de intensidade e a duração do fenómeno, mas apenas agir, segundo as normas. Que esta “simulação” real nos sirva de lição.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.