quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Imprensa regional

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

A questão que se coloca, neste momento, é saber quanto vale a imprensa regional a nível dos valores da cultura local e até nacional. São poucos os governantes a entender que, no nosso país, predomina a iliteracia, que o gosto pela leitura de jornais é quase nulo, a população não se interessa pela informação, a não ser a que lhes entra pelos olhos dentro nos telejornais.

Daí os resultados que se obtêm a todos os níveis. Só para falar na política, podemos pôr no prato da balança a abstenção, e, se entrarmos pela escolaridade, percebe-se que, no domínio da interpretação da língua, o português é coisa muito mal tratada, com lacunas que nos envergonham a todos.

A imprensa regional, ou como muitos preferem chamar-lhe, a imprensa de proximidade, é dos poucos veículos que, face à informação televisiva, da rádio, da própria internet, ainda consegue alguma penetração no público leitor. E é esta aposta que o Governo devia fazer – acreditar que a imprensa regional deve ser estimulada como veículo de promoção da leitura, do gosto pelos jornais impressos. No entanto, completamente ao contrário, o Governo retira-lhe toda a possibilidade de chegar junto de potenciais leitores, criando uma lei que não só extinguiu o porte pago para o estrangeiro, como diminuiu a sua participação para os envios de jornais para o território nacional.

Continuamos sem perceber se a medida proposta pelo actual Governo é economicista ou política. Se é economicista, demonstra muita falta de sensibilidade e o não querer perceber o problema, porque as negociações com os CTT devem ser feitas com todas as partes, sendo que a parte principal e interessada é o Estado. Daí que, sabendo-se que a imprensa regional ou de proximidade é um veículo único da história e da informação local, e é por ela que mais cresce o interesse, por dar às pessoas estórias da sua esfera de intervenção territorial, os jornais regionais deviam ser considerados de interesse público e, como tal, alvo de um tarifário acessível, que possibilitasse a sua expansão.

Não é isso que se verifica, porque outros interesses se levantam, normalmente, neste tipo de negociações. OS CTT são uma empresa estatal, como tal não se justifica que haja procedimentos nos aumentos dos preçários, quando a função do Estado, pela Constituição em vigor, afirma: «Todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações». O Governo entrou na fase da discriminação, porque não são os dois milhões de contos gastos anualmente com o porte pago que abalam o Orçamento do Estado.

Se o problema não é economicista, mas político, as coisas têm que ser vistas numa outra óptica – os socialistas sempre foram avessos aos meios de comunicação social, por um lado, porque nunca foram capazes de manter vivo um órgão de comunicação fundado por elementos seus. Por outro lado, têm receio do poder da imprensa regional e nada melhor do que a ir adormecendo, retirando-lhe apoios. Numa imprensa deficitária, mas altamente enriquecedora da história local, veículo de informação único a chegar a certas partes do mundo e mesmo de Portugal, é triste assistir-se ao pressuposto de que, para privatizar os Correios, há que retirar-lhe certos negócios menos rentáveis.

Aqui há gato escondido, com rabo de fora. Os CTT contavam, na sua contabilidade, com os milhões referentes ao porte pago da imprensa regional. E não nos venham tentar enganar atribuindo a mudança de regras às directrizes comunitárias, porque isso é para rir. Querer comparar as potencialidades dos jornais regionais espanhóis ou franceses com a realidade portuguesa, é não perceber que há países onde se lê e dá valor à imprensa escrita, e há um país, que é Portugal, onde não se lê e por mais que os Governos se esforcem, não há coragem para implementar uma política que fomente esse gosto pela leitura e pelos jornais. Porque razão não há uma hora, nas escolas, para comentar as notícias dos jornais da sua terra, criando, desta forma, não só o hábito da discussão e análise dos problemas, como cimentando os princípios de cidadania em que somos tão fracos? Talvez não interesse, como diria Salazar!

O Governo tem o dever de instituir um preço base pela expedição dos jornais regionais e locais, independentemente do peso. Criar um espaço mais amplo de promoção, como forma de captar leitores e levar os jornais para as escolas. Criar parcerias com empresas jornalísticas. Se o Governo não pretende criar um preço unitário, então que baseie o seu critério de subsídio ao leitor no número de jornalistas com carteira profissional que cada jornal tem na sua redacção. E que, por cada posto de trabalho criado num jornal, lhe seja atribuído o respectivo apoio na expedição.

Que fique claro, mas muito claro, que o porte pago é um apoio dado aos leitores e nunca às empresas, que suportam uma verba para os jornais chegarem a casa dos seus leitores. Quem lucra são os CTT. Só que, a concretizar-se a política do Governo, os CTT vão perder este ano uns milhões de euros com os envios para o estrangeiro, cujo porte pago deixa de existir, e outros com os envios a nível nacional.

Quem negociou, não soube negociar e somos todos a sofrer de um mal chamado interesses próprios, por causa da iliteracia de um Governo que não avaliou a verdadeira dimensão cultural e de interesse público que a imprensa regional possui.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.