Ser solidário
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
As chuvas fortes, de um Inverno teimosamente seco, caíram de madrugada e encheram as ruas da cividade. Arrastaram carros, pessoas, derrubaram muros. É a natureza Mãe a querer ocupar os espaços que sempre foram seus.
Vão-lhe impermeabilizando o manto da fertilidade e dá-se a revolta, a fuga desenfreada na procura das linhas de água que a encaminhavam para os ribeiros, os rios, o mar. Na sua frente, há uma parede de betão. Milhares de portugueses ficaram afectados pelas cheias.
A culpa não é da chuva. Como diz a canção, tomara que chova três dias sem parar. A água é um bem. E a seca que o país atravessa precisa dela como de pão para a boca.
A culpa é de todos nós. Queremos mais cidade, queremos estradas, desejamos um maior conforto enquanto pessoas, esquecendo os perigos que se escondem atrás de um mau ordenamento urbanístico, das construções em linhas de água, na falta de limpeza das ribeiras.
Esquecem-se os homens de manter vivos os diques das ribeiras, de construir na Serra e no Barrocal barragens de terra, para alimentarem o lençóis freáticos que, na falta do precioso líquido, vão secando e arrastando para paisagem desértica o que está a sua volta.
Se as técnicas dos homens são as grandes causadores destas catástrofes, ninguém, principalmente os responsáveis políticos e governantes, se pode colocar de fora, atirando a culpa para cima do vizinho.
O ministro do Ambiente Nunes Correia considerou que os culpados desta situação eram as autarquias. A falta de postura política-democrática, quando se sabe que o Ministério do Ambiente é o primeiro responsável por muitas das anomalias que se passam no terreno, demonstra a falta de solidariedade para com os cidadãos, o que mais não é do que a demonstração prática da atitude do actual Governo.
As pessoas não estão primeiro, mas em segundo, terceiro, quarto e quinto lugar. Pelo menos devia ter tido a capacidade para fazer o discurso politicamente correcto de que a culpa é de todos nós, há coisas mal feitas, temos que corrigir. Culpar os outros, sacudindo a água do capote, é uma falta de respeito pelo povo. Um ministro, no mínimo, é teoricamente responsável.
Se o ministro do Ambiente não quis assumir responsabilidades, do primeiro-ministro José Sócrates, que, na noite de segunda-feira deu uma entrevista em directo na SIC, não se ouviu uma palavra de solidariedade para com as famílias atingidas, como se a catástrofe que se desenrolava aos seus pés fosse nos antípodas.
Ficou mal, muito mal, constatarmos a falta de um sentimento que deve ser muito caro à verdadeira cidadania – ser solidário. Sócrates não foi solidário, aliás, nem podíamos esperar outra coisa dele, quando ao longo dos últimos três anos o seu afastamento da realidade é notório, com os cidadãos a serem rotulados de simples números, ensanduichados pela máquina fiscal, sentindo medo e rejeitando-se mutuamente, como se a sociedade estivesse vigiada por um big brother e em cada esquina existisse um agente pidesco.
Falta a muitos ministros de José Sócrates, e a ele próprio, fazerem a leitura dos mandamentos do que é ser solidário.
Podem-se embelezar os números das estatísticas, mas a realidade mostra que o desemprego aumentou, que nos onze meses do ano passado a economia esteve parada, que a pobreza envergonhada é uma realidade cada vez mais palpável, que os jovens não conseguem comprar casa, que muitos dos cursos do ensino superior não têm saída no mercado de emprego, o custo de vida aumenta todos os meses... há uma realidade que o Governo procura esconder, porque lhe convém.
Como é que o PS vem dizer que o PSD tem que manter os acordos políticos que foram feitos para a lei das autarquias e da justiça, quando na prática, e sempre que pode, quebra os laços de solidariedade que deve ter para com os cidadãos?
Se os seus exemplos não são os melhores, como pode ser exigida aos parceiros outro tipo de postura? Não há uma oposição clara em Portugal, porque o PSD é solidário para com o PS. Mas é uma solidariedade de pura conveniência, que cheira mal, porque é espúria. Já não há valores, há negócios.
E sempre se ouviu o povo dizer, que negócios, negócios, amigos à parte. José Sócrates sentiu-se ofendido quando viu os cidadãos-professores manifestarem-se à porta da sede do seu partido.
Este é um sinal de que as pessoas vão deixando de acreditar nos partidos-corporações e de que a liberdade de mostrarem a sua indignação não tem locais próprios para se manifestar. Pode ser confuso para políticos de olhos vendados, mas é uma realidade emergente a insatisfação do povo, que não sente solidariedade por parte de quem a devia manifestar.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.
As chuvas fortes, de um Inverno teimosamente seco, caíram de madrugada e encheram as ruas da cividade. Arrastaram carros, pessoas, derrubaram muros. É a natureza Mãe a querer ocupar os espaços que sempre foram seus.
Vão-lhe impermeabilizando o manto da fertilidade e dá-se a revolta, a fuga desenfreada na procura das linhas de água que a encaminhavam para os ribeiros, os rios, o mar. Na sua frente, há uma parede de betão. Milhares de portugueses ficaram afectados pelas cheias.
A culpa não é da chuva. Como diz a canção, tomara que chova três dias sem parar. A água é um bem. E a seca que o país atravessa precisa dela como de pão para a boca.
A culpa é de todos nós. Queremos mais cidade, queremos estradas, desejamos um maior conforto enquanto pessoas, esquecendo os perigos que se escondem atrás de um mau ordenamento urbanístico, das construções em linhas de água, na falta de limpeza das ribeiras.
Esquecem-se os homens de manter vivos os diques das ribeiras, de construir na Serra e no Barrocal barragens de terra, para alimentarem o lençóis freáticos que, na falta do precioso líquido, vão secando e arrastando para paisagem desértica o que está a sua volta.
Se as técnicas dos homens são as grandes causadores destas catástrofes, ninguém, principalmente os responsáveis políticos e governantes, se pode colocar de fora, atirando a culpa para cima do vizinho.
O ministro do Ambiente Nunes Correia considerou que os culpados desta situação eram as autarquias. A falta de postura política-democrática, quando se sabe que o Ministério do Ambiente é o primeiro responsável por muitas das anomalias que se passam no terreno, demonstra a falta de solidariedade para com os cidadãos, o que mais não é do que a demonstração prática da atitude do actual Governo.
As pessoas não estão primeiro, mas em segundo, terceiro, quarto e quinto lugar. Pelo menos devia ter tido a capacidade para fazer o discurso politicamente correcto de que a culpa é de todos nós, há coisas mal feitas, temos que corrigir. Culpar os outros, sacudindo a água do capote, é uma falta de respeito pelo povo. Um ministro, no mínimo, é teoricamente responsável.
Se o ministro do Ambiente não quis assumir responsabilidades, do primeiro-ministro José Sócrates, que, na noite de segunda-feira deu uma entrevista em directo na SIC, não se ouviu uma palavra de solidariedade para com as famílias atingidas, como se a catástrofe que se desenrolava aos seus pés fosse nos antípodas.
Ficou mal, muito mal, constatarmos a falta de um sentimento que deve ser muito caro à verdadeira cidadania – ser solidário. Sócrates não foi solidário, aliás, nem podíamos esperar outra coisa dele, quando ao longo dos últimos três anos o seu afastamento da realidade é notório, com os cidadãos a serem rotulados de simples números, ensanduichados pela máquina fiscal, sentindo medo e rejeitando-se mutuamente, como se a sociedade estivesse vigiada por um big brother e em cada esquina existisse um agente pidesco.
Falta a muitos ministros de José Sócrates, e a ele próprio, fazerem a leitura dos mandamentos do que é ser solidário.
Podem-se embelezar os números das estatísticas, mas a realidade mostra que o desemprego aumentou, que nos onze meses do ano passado a economia esteve parada, que a pobreza envergonhada é uma realidade cada vez mais palpável, que os jovens não conseguem comprar casa, que muitos dos cursos do ensino superior não têm saída no mercado de emprego, o custo de vida aumenta todos os meses... há uma realidade que o Governo procura esconder, porque lhe convém.
Como é que o PS vem dizer que o PSD tem que manter os acordos políticos que foram feitos para a lei das autarquias e da justiça, quando na prática, e sempre que pode, quebra os laços de solidariedade que deve ter para com os cidadãos?
Se os seus exemplos não são os melhores, como pode ser exigida aos parceiros outro tipo de postura? Não há uma oposição clara em Portugal, porque o PSD é solidário para com o PS. Mas é uma solidariedade de pura conveniência, que cheira mal, porque é espúria. Já não há valores, há negócios.
E sempre se ouviu o povo dizer, que negócios, negócios, amigos à parte. José Sócrates sentiu-se ofendido quando viu os cidadãos-professores manifestarem-se à porta da sede do seu partido.
Este é um sinal de que as pessoas vão deixando de acreditar nos partidos-corporações e de que a liberdade de mostrarem a sua indignação não tem locais próprios para se manifestar. Pode ser confuso para políticos de olhos vendados, mas é uma realidade emergente a insatisfação do povo, que não sente solidariedade por parte de quem a devia manifestar.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.