quinta-feira, novembro 15, 2007

Transparência

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

O nosso Estado democrático tem vindo a ser moldado, ao longo destes 30 e poucos anos, àquilo a que se pode chamar de democracia musculada. Isto é, em muitos casos, não é carne, nem é peixe.

Podíamos falar em milhentos exemplos, desde a tentativa de amordaçar a liberdade de informar, até aos últimos e recentes acontecimentos de visitas a Sindicatos por parte das forças policiais, para não mencionar as escutas telefónicas a que todos estamos sujeitos.

Há medo na sociedade portuguesa. Um medo que começa a crescer, pela repressão imposta a muitos níveis.

Somos defensores do diálogo, da prevenção e da educação, como forma de construir a cidadania e motivar os cidadãos para a solidariedade e a subsidiariedade.

Diálogo é cada vez menor – pagas e depois reclamas, e, mesmo assim, talvez tenhas uma surpresa, mesmo com a razão do lado de quem reclamou; prevenção é a forma mais honesta de construir uma sociedade equilibrada, chamando a atenção para os verdadeiros valores e para os direitos e deveres; por fim, a educação, onde é necessário existir uma escola assente em bons pilares, capaz de moldar elementos, com capacidade de análise e intervenção no dia a dia, na base da verdade, da honestidade e no respeito mútuo.

Para existir este equilíbrio, é importante, que haja transparência. E é aqui que começa o busílis da questão portuguesa. Vivemos numa sociedade onde a verdade, em muitas situações, é completamente adulterada, porque muitos intervenientes são manipulados pelos lóbis e vendem-se por mais uns dinheiros, salvaguardando, desta forma, uma reforma ou um emprego.

Comecemos por questionar os deputados da Nação: quantos dos que estão no hemiciclo recebem avenças de grupos económicos?

Era importante, para transparência do poder político, que fosse publicada de forma discriminada as verbas arrecadas por cada deputado, e saber-se dos seus interesses com este e aquele grupo.

Que se perceba que estamos a levantar uma questão, não há indicação de quem quer que seja, mas para sossego dos eleitores era bom que a clarificação deste assunto fosse feita. Quem não deve, não teme.

Outra pergunta que deve ter resposta é sabermos se os arquitectos e engenheiros na administração pública estão directa ou indirectamente ligados a gabinetes exteriores. Isto é, se fazem projectos e mandam outros assinar, passando por eles o seu deferimento.

A história que vamos contar é pura coincidência, se tiver alguma relação com casos passados ou que aconteçam no presente… Um serviço público recebia projectos para avaliação e consequente financiamento, só que uma grande parte deles chumbavam, recebendo o proponente a recomendação de que havia em Lisboa um gabinete que dava o tratamento adequado para a sua aprovação.

No gabinete de Lisboa, quem lá estava era a mulher do homem que chumbava o projecto.
Uma situação que recentemente foi notícia no Porto, mas passa-se também noutras localidades, diz respeito à autorização para construir varandas e janelas, junto à extrema de um prédio ou de um terreno, o mesmo será concluir, ocupar a propriedade alheia com benefícios próprios a que não se tem direito.

No Porto, o Tribunal, e bem, mandou demolir as varandas. O problema é saber quem foram os responsáveis pela aprovação de uma ilegalidade e quem passou licenças de construção.

No topo da pirâmide está o poder político a assumir e a dar a cara pela aprovação de projectos incorrectos, mas, em princípio, o mal vem dos pareceres técnicos mal fundamentados.

Logo, os responsáveis são os técnicos, que devem assumir todos os prejuízos que advenham dos pareceres emitidos.

O poder político não pode nem deve alinhar nestes atropelos, porque, a acontecer, obriga as pessoas a falar em corrupção. Não se entende que a aprovação de um projecto com ilegalidades não tenha um responsável declarado.

O poder político, sob pena de ser rotulado, pode considerar que foi enganado, mas tem que haver a punição do responsável e, nestes casos, sendo técnicos, as respectivas Ordens devem-lhes retirar a carteira profissional.

Porque um técnico não pode alegar desconhecimento das leis que regulam a sua actividade. Se as infringir é com conhecimento e deliberadamente. Há responsáveis, mas, na maioria dos casos, não há culpados.

Isto são exemplos, que até podem estar exagerados, mas são necessários para que se compreenda que a transparência, como norma de funcionamento, é muito importante num Estado de direito.

A transparência da vida pública deve começar nas relações do Estado com a sociedade. Para aplicarmos o princípio da qualidade de quem nada tem a esconder ao Estado, implica saber quem são os responsáveis, para que, em nome da justiça e da verdade, sejam responsabilizados.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.