quinta-feira, novembro 08, 2007

Com a saúde não se brinca

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

A saúde dos portugueses está acima das tricas partidárias. Ninguém tem o direito de a utilizar para fazer chicana política, sob pena de estar a cometer um crime contra a sociedade.

Entenderam os socialistas que a demissão dos dezanove médicos no Hospital de Faro foi uma «encenação», que acontece ciclicamente, passando, desta forma, um atestado de menoridade aos clínicos, apelidando-os de actores manipuláveis.

É que, deram a entender os deputados socialistas algarvios, os médicos demissionários estariam a ser instrumentalizados pelas eleições para o Ordem ou pelos partidos políticos da oposição.

O Partido Socialista descredibilizou os médicos e quer transformar uma questão técnica e de infra-estruturas numa luta político-partidária. Desde há muito tempo que os socialistas não toleram a intervenção de Macário Correia (presidente da AMAL e da Câmara de Tavira) na vida política regional.

O presidente da Câmara de Faro José Apolinário, numa acção política e de tentativa de branqueamento da situação que se vive no Hospital, reuniu-se no domingo com a administração.

E foi ver as televisões filmarem um médico oftalmologista a trabalhar ao domingo, que teceu elogios à situação, dando-se ao luxo de dizer que os doentes não precisam de ir para Cuba…

Lógico, desde que as listas de espera não ultrapassem largos meses ou mesmo anos. Uma pergunta que nunca foi respondida: quanto estão a ganhar os médicos vindos de Coimbra para encenarem, ao domingo e para a televisão, que no Hospital de Faro as coisas até estão bem?

O político José Apolinário virou-se contra a reacção de Macário Correia, porque este utilizou a AMAL para colocar o dedo na ferida, e, como as suas reacções são transmitidas a nível nacional e regional, incomodam.

Macário foi eleito presidente da Junta Metropolitana, por maioria, e, como tal, deve e tem o direito de intervir em tudo o que diga respeito à região. Em todas as áreas.

Pode ou não gostar-se do que ele diga, esse é um assunto que dirá respeito a cada pessoa, mas não se lhe pode retirar o cargo de presidente da AMAL e proibi-lo de falar nessa condição.

José Apolinário, ao tentar branquear a situação do Hospital de Faro, fez um mau trabalho em nome dos seus munícipes, enquanto presidente da Câmara. Como militante socialista foi defender o seu partido e o seu Governo.

Mesmo assim, como pessoa, e porque as pessoas estão primeiro, os partidos não se podem sobrepor ao povo algarvio. Querer negar que as coisas estão mal no Hospital de Faro é lançar uma mentira e relegar para um plano secundário os doentes. Infelizmente, o poder, as mordomias e as promessas baralham a racionalidade dos homens e mulheres.

A falta de coragem política e humana para analisar o cerne da questão leva alguns responsáveis socialistas, eles sim, a transformarem-se em correias de transmissão do Governo, mesmo sabendo que um paciente morreu numa maca porque não lhe foi feito um tac para elaboração do diagnóstico clínico, visto que o dito Hospital Central/Distrital não os efectua durante a noite.

Daí que o médico responsável por aquele doente tenha sido constituído arguido pelo Ministério Público. Esta foi a gota de água. Os médicos, a partir de agora, começam a ser responsabilizados e vão responder na barra do Tribunal, o que aquela classe não aceita. Exigem, por isso, condições de trabalho nas urgências.

Afirmar que a situação da urgência, neste momento, é igual há de um ano, é reconhecer que as coisas não estão bem.

Se os médicos só agora se manifestaram, uma das razões tem a ver com acontecimentos recentes. Outra talvez seja porque a administração lhes foi prometendo que o problema ia ser resolvido.

As urgências, depois do fecho dos SAP, entupiram, por muito que se manipule os números e se faça a sua extrapolação para as especialidades, retirando a carga à urgência geral. Passaram todos por lá, antes de serem reencaminhados. A Administração Regional de Saúde e a do Hospital negam esse aumento, mas os médicos confirmam.

Em quem devemos acreditar? Em quem joga com os números, ou nos que estão no dia a dia em contacto com essa realidade? Porque será que a esmagadora maioria dos utentes não dá nota positiva às urgências deste hospital, como de qualquer outro?

O Partido Socialista percebeu que o estado de graça acabou. O alerta veio da manifestação de 200 mil pessoas em Lisboa. Dos resultados das sondagens. Vale tudo para se manter à tona da água.

Até a mentira e a hipocrisia, mesmo que se veja e saiba existir gente a morrer nas macas atiradas nos corredores dos hospitais.

Amanhã o PS será oposição e vai reagir da mesma forma que os outros partidos reagem quando não estão no poder. A descredibilização da política é feita pelos políticos.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.