terça-feira, outubro 23, 2007

ESCUTAS E ESQUIZOFRENIA LEGAL

por José Mateus (consultor de comunicação e autor do blogue CLARO)

Parece-me evidente, ou seja, vejo como uma evidência, que os telefones do sr. Procurador-Geral da República estão, como ele disse, sob escuta. Ou, dito de outro modo, que as suas chamadas serão certamente gravadas. Por quem, por quantas entidades e de que natureza é coisa que, obviamente, ignoro. Mas, em Portugal, qualquer “brigada de observação” estrangeira sempre funcionou muito à vontade… E é, igualmente, muito fácil, a partir do exterior das fronteiras portuguesas, escutar qualquer chamada em Portugal… Portanto, o sr. PGR, pelas funções que ocupa e pela informação a que tem acesso e com que lida, deve, muito naturalmente, ser escutado por uma série de gente que tem interesse em saber o que se passa em Portugal. Os telefones dele e os de muita gente que seja considerada de interesse por quem quer saber o que por cá realmente se passa… Recordo-me ainda de, há uns trinta anos, a embaixada da RDA ter adquirido um prédio muito alto no Alto do Pina para proceder a determinadas “tarefas revolucionárias”… Era, na altura, um segredo de polichinelo o que lá se passava. Era de tal ordem que ministros e primeiros-ministros, da altura, eram logo no início das suas funções instruídos sobre as formas práticas e expeditas de empastelar as escutas

O problema do sr. PGR e o de senhores como José Miguel Júdice, na sua reacção a este caso que lhe caiu como sopa no mel, é o de viverem num universo apenas constituído por leis e códigos e ignorarem soberbamente o mundo real, a sua evolução tecnológica e a banalização de aparelhos de capacidades quase ilimitadas… Quando chegarem ao mundo real, todos estes senhores, toda esta gente que vive numa espécie de universo paralelo, de livros e códigos, descobrirá uma realidade prática e tecnológica que nem imaginava! Esperemos que, então, percebam que têm de adequar as leis à realidade, se quiserem que a República Portuguesa tenha algum mecanismo de defesa… E que percebam que serão sempre escutados e que tudo o que podem fazer é regulamentar a prática dessas escutas, dentro da perspectiva da defesa da República e dos seus cidadãos. Ou seja, as escutas vieram, com a tecnologia, para ficar… “Habituem-se”, como diria o António Vitorino numa outra situação.

NOTA: Os comentários de José Mateus são emitidos todas as terças-feiras, às 9,30 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.