quinta-feira, novembro 01, 2007

Responsáveis, não há

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Começa a ser prática corrente na vida pública e na sociedade portuguesa que, perante situações mais anómalas, complicadas e prejudiciais ao país e à democracia, não haja responsáveis.

Quem deu a ordem aos polícias para entrarem na sede do Sindicato? Não se sabe. Quem colocou o acrescento ao tal artigo do Código Penal sobre o crime continuado? Não se sabe.

Porque razão a senhora, que está à frente da Casa Pia, afirma desconhecer os factos, quando a anterior lhe passou a pasta e as cartas? Porque não quer responsabilidades.

Os exemplos podem multiplicar-se e é um exercício que as pessoas devem começar a fazer – questionar, sempre, quem é o responsável ou responsáveis. Um nome, nomes, um rosto, rostos.

Os últimos e o actual Governo têm vivido sob o signo do défice. Depois, assiste-se ao jogo dos valores percentuais. Os anteriores estavam com um défice de 6 por cento, os actuais desceram para 3 por cento.

Passa tudo, segundo os entendidos, por uma questão de manipulação. Considerando, nos anteriores, as chamadas receitas extraordinárias, alcançadas, por exemplo, com a venda do património do Estado, o valor final é um, não o tendo em linha de conta, é outro.

Os políticos manipulam os números a seu belo prazer. Quem não é capaz de manipular é o povo – a vida, com o aumento dos impostos, cada vez está mais complicada.

Há aumentos diários nos produtos petrolíferos, nos empréstimos, na alimentação... pode escrever-se, em termos populares, que assistimos dia sim, dia sim, ao aumento do rol da mercearia.
Há responsáveis? Ninguém quer assumir.

A culpa é da crise mundial e da globalização. Nunca ouvimos nenhum político afirmar: «não sou capaz de parar esta avalanche de aumentos». Responsáveis são todos os outros.

Até o povo, a quem foram dadas oportunidades de contrair dívidas, no tempo das vacas gordas, esquecendo-se os responsáveis(?) de alertar que, um tempo de vacas magras vem sempre a seguir ao das gordas. Hoje, Portugal tem mais de dois milhões de pobres. É assustador.

No Governo do PSD, foram taxadas as off-shore com um imposto de 5 por cento. Quem decretou a medida pensou – vamos lixar os que querem fugir aos impostos.

É claro que, passados estes poucos anos, concluiu-se que não lixaram aqueles que pensaram em lixar, mas apenas lixaram o mexilhão. Hoje, há um ou outro que pagou os 5 por cento, o resto desapareceu.

O actual Governo, como a coisa não resultava e o pouco que entrava deixou de entrar, passou o imposto para 1 por cento. Mas o mal está feito. Para recuperar vão ser necessários mais uns anos, até que a confiança se reponha e os investidores acreditem que, afinal, isto não é a república das bananas.

Mandou-se aplicar uma lei de 1997, a propósito as camas paralelas e das habitações para fins turísticos, com a polícia a invadir as agências à procura da documentação que legalizasse as casas como sendo para aluguer a turistas. Foi um cataclismo.

A lei não tinha aplicação possível e quem a fez não seguiu um raciocínio lógico, daí que a maioria das habitações saiu do mercado e as complicações para quem quis legalizar eram muitas.

Há um responsável por este caos? Não há. Quem fez o mal, deve estar bem colocado. Não sendo possível aplicar a lei, há que modificá-la de acordo com a realidade.

Está a ser preparada, e já em ante-projecto, uma lei que passa a definir as tais camas paralelas como «alojamento local», sendo que o mesmo vai ser licenciado pelas Câmaras. Parece que é uma lei concebida com mais realismo.

Quem redige os diplomas legais, pensamos nós, fá-lo, muitas vezes, julgando que estes vão legalizar situações menos claras. Só que a sua concepção não se baseia na realidade, mas na imaginação de quem pensa que é dono da verdade.

Em conclusão – com as atitudes de repressão impostas, acabou-se com muitas habitações utilizadas no chamado mercado paralelo, mas, por arrastamento, desapareceram os jardineiros, os pedreiros, os canalizadores, os electricistas, etc.

Um montão de pequenas empresas que faziam girar a economia regional. Podem questionar – estavam legalizadas? Essa é outra questão desta problemática.

Ninguém gosta de viver em ditadura, e muito menos fiscal. Aliciar a sociedade para a participação, para os verdadeiros valores da cidadania, passa, em primeiro lugar, por reduzir a repressão e aplicar os conceitos de prevenção, de educação, de solidariedade, de subsidiariedade.

Quem se sente reprimido, e o povo sente isso na pele, não abre mão de fugir aos impostos, principalmente quando lhe aplicam a multa por ter trabalhado uma vida inteira para alcançar uma reforma e, agora, exigem que continue a pagar impostos como se fosse um trabalhador normal.

Há nomes e rostos responsáveis por todas estas situações? Não há. Tudo passa de uns para os outros, seja qual for o partido, mas sem nomes e responsáveis. Tudo é abstracto. Ninguém culpa ninguém, nominalmente. É o sistema, uma coisa que não tem rosto. Infelizmente.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.