quarta-feira, novembro 07, 2007

Saúde e política


por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

Dezanove médicos do Hospital Distrital de Faro demitiram-se das chefias das urgências, alegando falta de condições para assistir os doentes que chegam aos respectivos serviços. Os responsáveis tentam desvalorizar o caso, enquanto o PS-Algarve fala de demissões com contornos políticos, no contexto da actual disputa eleitoral para a direcção da Ordem dos Médicos.

É bem possível que acha alguma dose de razão nas razões de uns e outros, mas aos olhos dos algarvios, principalmente dos que se vêem obrigados a recorrer ao Hospital de Faro, salvo algumas raras excepções, a assistência prestada aos doentes, particularmente aos que entram nas urgências, deixa muito a desejar. Mais por culpa do entupimento dos serviços, com doentes espalhados pelos corredores deitados em macas ou sentados horas a fio em cadeiras de rodas e pelo risco acrescido de doenças resultantes das múltiplas bactérias que por ali proliferam, encontrando terreno fértil para o contágio de quem ali tem o azar de ter que recorrer, do que pela falta de competência dos médicos.

Ora se os utentes sofrem na pele com a falta de condições daqueles serviços, a que importa somar as listas de espera para certas cirurgias - o caso das operações às cataratas é paradigmático – os profissionais de saúde que ali trabalham, médicos e enfermeiros, sofrem o stress, a impotência e a frustração de pouco ou nada poderem fazer para obviarem a grave situação que se lhes depara. Com o agravante de serem, quase sempre, os primeiros a serem responsabilizados quando as coisas não correm bem para o lado do doente, nem sequer servindo de atenuante as urgências consecutivas que por vezes são obrigados a fazer para suprir as carências dos serviços.

Do esgrimir de argumentos entre as partes sobressai, de facto, a componente política. Na verdade, um dos grandes obstáculos à resolução dos problemas da saúde tem residido na circunstância de a melhoria do sector não ser encarada como um desígnio nacional, acima de qualquer interesse – político, económico ou de qualquer outra natureza – mas de terreno de luta política, em que muitas vezes o Governo e o ministro têm que desfazer o que outros fizeram em nome de uma ideologia, de um programa ou de um objectivo político.

Será que alguém, consciente das dificuldades de resposta do sistema público de saúde e atento aos sucessivos adiamentos na construção de um novo Hospital Central e do desinvestimento da administração central na área da saúde, pode ignorar este protesto dos médicos? O que é visível para a opinião pública é que há uma tendência acentuada para acabar com o Serviço Nacional de Saúde, a pretexto de doutrinas neoliberais que acham que ninguém tem direito aos serviços públicos de saúde sem pagar, mesmo quando já é o contribuinte que paga, através de descontos, taxas e impostos, esse serviço.

O Governo tem razão quando quer pôr termo ao parasitismo dos que se querem aproveitar do sistema, mas o Estado tem uma obrigação social da qual não se deve demitir. E o que parece estar no horizonte é o fim do Estado Social. Depois de mais de 30 anos de democracia, recusamo-nos a aceitar que a saúde seja só para os que têm dinheiro.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.