quinta-feira, novembro 22, 2007

Demitam-se!

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Com a demissão dos chefes de equipa da área médica e do director das urgências no Hospital Distrital de Faro fica posta em causa a governabilidade daquela unidade de saúde por parte de actual administração.

A situação criada com a carta colectiva de demissão dos médicos não foi devidamente analisada, limitando-se a presidente da administração, na altura, a apelidar os médicos de «amigos», e como somos todos «amigos», isso não passava de um simples arrufo de gente que se conhece.

Houve uma displicência em relação à tomada de posição dos médicos, por parte de quem acredita que a sua realidade é mais real do que aquela que se encontra no lado oposto.

Para os responsáveis, tudo isto parece normal, dentro da anormalidade que é o momento presente no Hospital de Faro. O entupimento das urgências e outras anomalias no hospital não são de ontem, mas foram-se acumulando e o saco acabou por rebentar.

O que nos parece contraditório, em todo este processo, é a cumplicidade que reina entre a tutela e a administração do Hospital que, no mínimo e com coerência, perante a forma como foi posta em causa, se devia demitir ou ser demitida.

Ao que parece nada disto acontecerá. Há como que um pacto, onde se colocam os valores numa prateleira, porque o importante é o tacho que se usa para regalia pessoal, e quem quiser que retire a tampa.

Os responsáveis têm que compreender não ser possível encontrar equilíbrios e estabelecer pontos de entendimento com a actual administração, posta à prova e que nada modificou, antes contribuiu para o agravamento e o consequente pedido individual de demissão, exigido que foi pela própria tutela para tornar prática a posição assumida colectivamente.

Podem apontar todas as causas técnicas que entenderem, as deficiências herdadas de um passado remoto ou recente, anunciarem as medidas paliativas e obras de fundo, mas o resultado final está desde há muito estabelecido – os médicos não acreditam nos actuais gestores.

Sendo a saúde um sector melindroso, onde se compreende que não devam existir radicalismos, porque tais posições acabam por se reflectir nos cuidados a prestar aos doentes, é de todo aconselhável uma abertura de diálogo permanente entre as administrações e os técnicos.

Em Faro, terão sido feitas, já depois das demissões entregues, duas reuniões para avaliar o estado do hospital, coisa que, acaba por se concluir, deveria ter sido feito há muito tempo. Não teve lugar o diálogo e o confronto das partes e acabou por chegar-se ao momento da ruptura.

Perante o extremar de posições, é de concluir que a administração não soube encontrar caminhos para resolver os problemas, como é de todo aconselhável no sector da saúde, e deixou andar a carruagem até ao descarrilamento.

Há responsáveis, e se os há, corporizados na administração, esta deve colocar o seu lugar à disposição da tutela, como forma de libertar o responsável político que deu o aval aos actuais administradores, para que possa assumir uma posição de renovação do actual elenco ou, o que seria de todo inconcebível, dar-lhes nova confiança.

É preciso clarificar, para que haja alguma transparência.

Pelo desenrolar do processo, com os médicos na fase de diálogo com a directora clínica e a administração, prometendo aqueles apresentar a lista das necessidades e estes a garantia de sanear tudo muito rapidamente, entramos no carrossel das frases feitas, das afirmações ambíguas, das estatísticas amanhadas por conveniência.

No meio do turbilhão, são metidas as pessoas numa urgência a rebentar pelas costuras.

O pacto de cumplicidade entre a tutela e a actual administração do Hospital Distrital de Faro, que pretende passar a empresa pública, como forma de ter um novo estatuto de gestão, para o bem e para o mal, já que pode entrar em concorrência (como se o Estado não tivesse obrigação para com os seus concidadãos) libertando os critérios de taxas a cobrar, a contratação de médicos, etc., parece ser a estrelinha que vai resolver todas as maleitas, apesar de se acrescentar que só para 2012 (acredite quem quiser) quando estiver concluído o Hospital Central do Parque das Cidades, a estabilidade de funcionamento será encontrada.

A realidade nua e crua do Hospital Distrital de Faro é corporizada pela posição assumida pelos médicos ao se demitirem. Por mais truques e análises técnicas que se façam, esta atitude não pode ser escamoteada, porque é o culminar de uma caminhada que não foi devidamente acompanhada pela administração, que não devia ter deixado chegar ao ponto a que chegou a posição dos médicos, com uma ameaça de demissão de forma colectiva.

Senhores da administração, demitam-se!

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.