quarta-feira, janeiro 02, 2008

Os novos algarvios


por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

De país de emigrantes Portugal transformou-se, como consequência dos novos rumos traçados pela Revolução de Abril e pela integração europeia, num país de imigrantes. E o Algarve espelha hoje, inequivocamente, essa nova realidade demográfica. Africanos, brasileiros e gente de leste, entre muitos outros, compõem o mosaico multiétnico e multicultural de um Algarve que terá que ter sempre presente o seu passado de abertura ao mundo e de espaço onde se cruzaram povos, culturas e religiões, que foram capazes de conviver mesmo quando se degladiavam ferozmente pela sua conquista.

Numa Europa cada vez mais completa com a entrada de novos países, mas também mais assimétrica em termos de riqueza e desenvolvimento, é normal que se registem esses fluxos migratórios dos países pobres para os países ricos, tanto mais que a mobilidade dos cidadãos no espaço europeu é um direito inerente a uma cidadania europeia.

E numa época em que a quebra dos índices demográficos é uma preocupação séria, os fluxos migratórios podem ajudar certas regiões, como parece estar a acontecer com o Algarve, a recuperar população. Das 4820 crianças nascidas no Algarve em 2006, 862 são filhas de mães estrangeiras, o que não deixa de ser significativo. Para além das diferenças óbvias, em termos de progresso e nível de vida, entre os países de origem e os que os acolhem, esta imigração, se por um lado reflecte o desejo de procurar uma vida melhor, por outro, pode criar a ilusão que esses emigrantes passam a viver em países e regiões onde não existem problemas sociais. O que é falso. Será que é fácil fazer entender ao cidadão comum, porque é que um país como o nosso, com cerca de 500 mil desempregados e graves problemas de exclusão social, ao mesmo tempo que acolhe estes fluxos de mão-de-obra, gasta milhões em subsídios e apoios sociais?

E que também tem milhares de jovens que não conseguem emprego? Não podemos esquecer-nos que, mesmo na lógica das migrações internas no espaço da UE, este problema tem estado na base de uma certa xenofobia emergente, que se torna ainda mais grave quando se cruza com manifestações racistas, alimentadas por essa vaga de imigração clandestina que, num destes dias, também atingiu o Algarve, mas de que, felizmente, vamos estando a salvo. Com todo o reconhecimento pelas estrangeiras que aqui dão à luz, ajudando-nos a resistir à erosão demográfica, será que também não podíamos ser nós a multiplicarmo-nos?

É que, como se não bastasse, ao invés de uma política de apoio à natalidade como existe já noutros países europeus a braços com o mesmo problema, vamos fechando maternidades e mandando as nossas grávidas parir para Espanha.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.