quinta-feira, janeiro 17, 2008

A degradação do SNS

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

Indiferente às matrizes político-partidárias, porque nas questões da Saúde não nos podemos mover nas águas turvas das estratégias dos partidos, tenho que me colocar ao lado de António Arnaut, fundador do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Vou citá-lo muitas vezes. O seu depoimento ao jornal «Expresso» e a frontalidade com que assume uma posição crítica contra Correia de Campos, ministro da Saúde do actual Governo, pela política de degradação do Serviço Nacional de Saúde que tem vindo a impor desde os tempos de António Guterres, são importantes como tema de reflexão porque, António Arnaut, para além de militante do Partido Socialista, é o primeiro subscritor de uma petição que o Bloco de Esquerda lançou.

«Poucas vozes se levantam na defesa da maior conquista social do século XX português», reconhece, referindo-se ao Serviço Nacional de Saúde, que deve prevalecer nos termos constitucionais de ser geral, universal e gratuito.

O Presidente da República já tinha chamado a atenção para o que se passa na Saúde, questionando o Governo para que se explique, porque ninguém entende quais as directrizes que Correia de Campos quer lançar na Saúde em Portugal.

A petição do Bloco do Esquerda, no texto que a sustenta, aponta para o facto da «actual política de Saúde, em especial o encerramento de serviços e o corte de despesas necessárias ao seu bom funcionamento, tem degradado o SNS: o acesso é mais difícil e a qualidade de assistência está ameaçada».

As palavras que Correia de Campos emprega não nos convencem, nem tão pouco as populações que se manifestam ou os corredores das urgências cheios de macas são exemplos para desculpar o ministro da Saúde.

As ambulâncias do INEM não substituem as urgências, muito menos quando funcionam em função de ordens do CODU, que faz a interpretação das queixas recebidas de acordo com uma triagem quantas vezes duvidosa.

Na visão do ministro ou de uma comissão de avaliação, ter as urgências em proximidade é muito pior do que fazer 30 ou 40 quilómetros para ir a um hospital. São coisas que não cabem no normal pensamento de um mortal.

Quando as coisas dão para o torto, como é costume, não há responsáveis. Se houve mortos, ou partos na ambulância, tudo isso é fado, tudo isso é a vida de um país do terceiro mundo.

No Hospital de Faro, assistimos ao pedido de demissão de 19 médicos com funções de chefia, que a administração não aceitou, mas o que prevalece é que os médicos mantêm a sua posição e ninguém os pode obrigar a ocupar lugares de chefia, muitos deles feitos por convite pessoal.

O que se procura fazer, relativamente ao Hospital de Faro, é branquear uma situação que está há muito tempo preta. Utilizam-se os termos e a língua portuguesa (tão traiçoeira que ela é) para baralhar e confundir.

A realidade teve mostra em imagens televisivas. A realidade está presente no dia a dia.
«Foi ele [Correia de Campos] quem iniciou o processo de degradação do SNS, ainda no Governo de Guterres. Leva a cabo uma política de terra queimada: estamos perante um ultraliberalismo sem regras e à solta!», afirma António Arnaut.

Era importante, já que há tanta certeza do ministro na reforma do sistema de Saúde, que fosse aprovada uma directiva parlamentar que obrigasse Correia de Campos, no final do mandato e depois de aprovadas as contas do seu ministério, caso se verificasse o agravamento das despesas, relativamente ao que tinha recebido do Governo anterior, a repor as verbas gastas a mais.Há que responsabilizar os ministros pela política que praticam, penalizando-os.

Assiste-se, hoje, dito por muitos profissionais da Saúde, a uma política de mercenarismo no sector. Seria bom que os Hospitais do Barlavento e de Faro publicassem mensalmente as suas despesas com as contratações casuísticas que efectuam.

Podem responder, se houver coragem política: quantos médicos, ao fim-de-semana, vão trabalhar para o Hospital de Faro, pertencendo aos quadros do Hospital do Barlavento e vice-versa e quanto é que isto custa ao erário público?

Será que todas as consultas que estes hospitais possuem estão a ser rentabilizadas? Só para citar um exemplo de forma aleatória, a marcação de uma consulta foi feita para três meses depois, e no dia em que ela se realizou, na hora em que teve lugar, não havia mais nenhum doente para ser visto.

Não havia lista de espera, porquê tanto tempo e tão pouca rentabilidade das potencialidades de uma vertente inserida no Serviço Nacional de Saúde? Será que, num país pobre, de desempregados, é honesto andar a fomentar a procura dos serviços de saúde privados?

Como é possível, perante a oferta de uma máquina para efectuar determinado diagnóstico, que a associação que a pretendia doar tenha sido informada que o hospital não tinha doentes que justificassem a aquisição de tal máquina?

Seria porque o médico que deu o parecer é membro de uma clínica privada e nessa unidade existe uma máquina para fazer aquele tipo de diagnóstico?

Os hospitais-empresa, ficou provado, têm um desempenho, principalmente a nível de despesas, muito pior que os hospitais-públicos. Teimosamente, continuam a enveredar por este modelo.

Cito António Arnaut, que não quer falar do seu partido, o PS. A sua assinatura na petição do Bloco de Esquerda é feita na qualidade de cidadão e também por «puro humanismo: não podemos consentir que se retirem os cuidados de saúde a uma população já sacrificada pelo desemprego».

Manuel Alegre, um histórico do Partido Socialista e vice-presidente da Assembleia da República, Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, João Semedo, também, assinam a petição do Bloco de Esquerda, que pretende angariar 100 mil assinaturas para defender o Serviço Nacional de Saúde no Parlamento.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.