quinta-feira, março 22, 2007

Estamos em exílio

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

«A política, longe de me oferecer encantos ou compensações, converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros». (Do prefácio do livro de Joaquim António Nunes «Da Vida e da Obra de Teixeira Gomes», 1976)

Muitos algarvios estão, neste momento, a atravessar o momento crítico vivido por Manuel Teixeira Gomes, enquanto Presidente da República.

A desilusão de olhar a região e sentir o marasmo que atravessa, o abandono em que está, fruto da política governamental, que estagnou as verbas dos fundos europeus sem encontrar alternativas, sabendo que é injusto termos saído do Objectivo 1, por força das estatísticas e da entrada dos países do Leste na União Europeia.

Sentir no dia a dia o desfolhar, não das ilusões políticas, porque muitos algarvios já se desligaram dessa corrente do pensamento, mas da dura realidade que se enfrenta. As pescas estão como estão.

Tanto mar e tão pouco aproveitamento das suas potencialidades piscatórias, talvez porque certos governantes pretendam o abandono deste tipo de faina, para que as águas possam ser ocupadas por plataformas exploradoras de petróleo.

Na agricultura, assistimos a coisas anedóticas, como financiamentos para frutos tropicais, esquecendo a alfarroba, o figo e amêndoa.

Como este «Algarve Azul», de Teixeira Gomes, se vai transformando em «Algarve Cinzento», poluído e cheio de coisas feias, a lembrar que, quem as mandou erguer, não tinha a sensibilidade.

Num destes dias ouvi na televisão um daqueles não habituais comentadores, traçar com um realismo simplista a verdade deste país, a origem dos políticos medíocres, a forma como actuam para massacrar o povo, porque nada mais lhes resta onde possam mandar.

E ao olhar para esta minha terra, esta Nação Algarvia, sinto que o desprezo aumenta dia após dia – como é possível que queiram considerar a Fortaleza de Sagres como uma das Maravilhas de Portugal se o Estado, proprietário do imóvel, deixa que a degradação vá corroendo aquele símbolo da nossa história?

Por pura ignorância, por negligência, por desprezo, pela mediocridade que a maioria dos governantes leva às costas.

O tratamento dos esgotos dos suínos nos concelhos de Monchique e de Silves está previsto começar no ano 2010. Falamos de uma região turística, onde se gera grande parte do pão para a boca dos portugueses.

As barragens, que deviam ser construídas, também não o são, porque não convém ao Governo central. É tudo uma questão de planeamento, mas outros interesses se levantam.

A desertificação do Barrocal e da Serra são evidentes. Os irresponsáveis não querem que as pessoas voltem para as aldeias, deixem de exercer pressão sobre o litoral, acham que assim é que deve ser. Voltar a florestar a serra com preceito, com plantas autóctones, é pura ilusão.

As aldeias não voltam a crescer, porque os homens não deixam, quando se podiam fazer planos de pormenor e de crescimento urbanístico, porque, no dia em que for possível viver com condições de salubridade nas aldeias, os citadinos fogem da poluição.

Há boas estradas, tem que haver água canalizada e esgotos que possam traduzir o viver das gentes, numa vida com qualidade.

Hoje, viver no Algarve não tem nada com os traços escriturados por Manuel Teixeira Gomes sobre esta terra. Há um tipo de vivência sazonal, onde a hotelaria dá ocupação por uns meses, os suficientes para o recurso ao subsídio de desemprego e o resto do tempo é viver de ganchos, de trabalho ilegal e de todo o tipo de expediente.

Somos 400 mil e dentro em breve seremos muitos mais, porque o Governo quer aumentar tudo em 50 por cento, daí que se espere que a população siga essa estatística.

A 17 de Dezembro, Manuel Teixeira Gomes embarca no paquete grego «Zeus», ruma o Bouguie, na Argélia, localidade que ele próprio considerava como «uma Sintra à beira-mar», num auto-exílio voluntário, sempre em oposição ao regime de Salazar, nunca regressando em vida a Portugal.

Resta-nos a nós, algarvios, ter a sensibilidade de Teixeira Gomes, e como nos falta a coragem para nos auto-exilarmos, lutarmos para que a regionalização e o poder administrativo sejam fruto das entranhas desta terra.

Neste momento, estamos em exílio, na nossa própria Nação.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Somos, certamente, muitos mais do que os 400 mil habitantes referenciados no texto.
Basta perceber que 50% da mão de obra registada na região é constituída por brasileiros, ucranianos e moldavos, entre outras nacionalidades de emigrantes.
Muitos outros, nomeadamente os trabalhadores provenientes de outros Estados-membros da União Europeia, não estão registados oficialmente.
Poderão dizer que são apenas números, mas também são pessoas que exigem diariamente um esforço extra dos recursos e dos serviços da região, penalizando quem cá reside e, maxime, enriquecendo-nos ainda mais com as suas despesas, logo nós que fomos declarados estatisticamente mais ricos do que a média dos europeus!
O Algarve precisa de uma nova liderança política?! Se é verdade que estamos fartos desta classe de dirigentes, comodamente instalados nos sofás do poder institucional e partidários, sem muitas excepções e nenhuma delas relevante, e deste tipo de práticas politiqueiras, a verdade é que não surgem alternativas que mereçam a nossa confiança!
Como dizia alguém há uns tempos, precisamos de SOLUÇÕES DE FUTURO!

7:56 da manhã  
Blogger St. J. said...

Venham as Soluções de Futuro, desde que tenham futuro...
Retribuo aqui a visita do José Graça.

Boa Rádio,

St.

6:31 da tarde  
Blogger St. J. said...

Por mero acaso ouvi a vossa 'informação' horária das 17h00 e apanhei a do Allgarve sem G...

Há coisas caricatas, venham elas de 'betinhos da linha', ou de outros... admito que é difícil apresentar uma estratégia de marketing sólida - que agrade a todos -, mas ele há iluminárias efectivamente brilhantes!! Grande Nelito, nunca me enganaste! A virtude, ou vã.glória de ser cenourinha..

Boa rádio!

4:11 da tarde  

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