As grandes superfícies e o comércio tradicional
por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)
Em 16 anos, desde que foi inaugurado, pela mão da Sonae, o primeiro centro comercial no Algarve, o número de grandes superfícies comerciais cresceu de forma tão vertiginosa, que hoje existem mais de oitenta, transformando a Região num autêntico “El Dorado” do grande consumo – daquele em que se compra o que se quer e não se quer – para desespero do comércio tradicio-nal que por mais tentativas de modernização até agora ensaiadas continua moribundo e incapaz de resistir à lógica dos hiper-comércio.
E se o panorama actual já é deveras preocupante, mais negro se perspectiva o futuro imediato com a abertura de mais quarenta e cinco grandes superfícies nos próximos dois anos. Convém lembrar que os respectivos projectos já foram autorizados. Para que se perceba melhor que este problema, no Algarve, é muito mais grave que no resto do país, enquanto a média nacional de área comercial é de 161 metros quadrados por cada mil habitantes e a europeia de 196, em Portimão e Albufeira é de 2595 e 2455 metros quadrados por mil habitantes, em Lagoa de 625, em Lagos de 540 e em Silves de 335. Se a este quadro juntarmos o facto de o consumidor algarvio ser frequentador das grandes superfícies de Cartaia, Huelva e Sevilha – e a partir de agora, também do Plaza de Ayamonte – a situação é, ainda, mais preocupante.
Há, subjacente a esta proliferação de grandes superfícies, uma lógica que resulta da própria natureza da economia de mercado em que vivemos a que, naturalmente, o próprio consumidor adere, pelas vantagens que daí lhe advêm em termos de gestão do orçamento familiar e o argumento normalmente evocado por quem autoriza ou concorda com a criação destes espaços que é a de que os mesmos proporcionam a criação de muito mais postos de trabalho.
A propósito da reportagem que inserimos nesta edição, o presidente da câmara municipal de Tavira diz que a abertura de um centro comercial na sua localidade se justifica porque vai gerar 500 novos postos de trabalho e o director regional de Economia, Mendonça Pinto, não apenas corrobora na mesma tese afirmando que os 61 novos espaços previstos vão criar cerca de mais dois mil postos de trabalho, como considera-os um factor positivo para a modernização do comércio tradicional, já que os fundos provenientes das taxas e licenças das médias e grandes superfícies – diz – revertem a favor dessa modernização.
O que não se diz é que, ao mesmo tempo que abrem oitenta grandes superfícies numa década, todos os anos fecham as portas mais de 200 estabelecimentos de comércio tradicional, numa torrente, até agora, imparável. E não são, apenas, as falências e o desemprego que estão em causa, é também parte da nossa identidade que se vai perdendo com o fim das tradições, absorvida pelo capital sem rosto das grandes multinacionais. Será que podemos ansiar por outro destino que não seja o de nos transformarmos – o país - cada vez mais num enorme hipermercado de uma Europa que só nos quer como consumidores dos seus produtos?
Porque será que quando se fala na possibilidade de uma regulação racional do número de grandes superfícies, há logo quem argumente que essa deve ser ditada pelo próprio mercado? Regulação, mesmo, só quando esses grande mega-espaços se comerem uns aos outros e o país estiverem de “tanga”.
NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
Para que servem tantas superfícies "grandes" se cada vez os portugueses têm vencimentos mais baixos... M.M.