Quando a velhada saltar para terra, os barcos encostam
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
A pesca no Algarve, dentro de poucos anos, vai desaparecer por completo. É normal, em muitos colóquios e conversas que os partidos agora começaram a organizar, deixarmos de ouvir falar em pescas e agricultura, tudo se resumindo a turismo, comércio e construção.
São, por isso, duas actividades tradicionais desta terra à beira mar plantada com tendência para, lentamente, reduzir a sua actividade e ser engolidas pela voragem da especulação.
Como dizia Josué Marques, do Sindicato dos Pescadores, «quando a velhada saltar para terra, os barcos encostam».
Nada disto parece preocupar os dirigentes da classe política. As fábricas de conservas já abalaram, algumas embarcações de pesca continuam a sua faina, outras passaram para propriedade dos espanhóis, e, nós por cá, a ver o peixe passar e as infra-estruturas a definharem por não terem aplicação.
E na nossa frente temos tanto mar…
No princípio da semana, os pescadores manifestaram-se junto da Capitania do Porto de Portimão.
O comandante do porto aplica a chamada tolerância zero, sacudindo a água do capote, dizendo que as leis não foi ele que as fez e tem que as aplicar. Digamos que, nestas coisas do mar, há muito que se lhe diga, e toda a gente aponta para o excesso de zelo e para atitudes que quase tornam impraticável a pesca artesanal.
Lentamente, como quem não quer a coisa, a pesca artesanal vai morrendo, os barcos apodrecem na água, e os homens, cansados, deixam cair as lágrimas nas mãos comidas pelo sal.
Não há meio-termo, nem tão pouco um sistema de tolerância que possa educar os pescadores, dando-lhes conselhos.
O diálogo é a melhor forma de se chegar a um consenso e esse não foi conseguido. Resta aos pescadores unirem-se, levarem as suas mulheres para bordo, e partirem para o mar, desafiando as autoridades, porque no dia em que forem todos presos ou os barcos arrestados, porque não pagaram multas, talvez o Adamastor acorde e perceba quanto são necessários estes homens na faina, para que o deserto não comece no horizonte, onde passam os petroleiros.
A luta dos pescadores, perante as condições de pesca existentes, talvez tenha razão de ser. Por isso, os senhores deputados eleitos pelo Algarve deviam ter-se deslocado à manifestação, para falar directamente com as pessoas, perceber o que se passa. Afinal, os deputados são para defender as causas do Algarve ou não?
Não era uma boa altura para os deputados ficarem sensibilizados e interessarem-se de forma a sensibilizar o Governo, que já provou nada perceber das coisas do mar, nem de como estas funcionam, adaptando as leis à realidade deste tempo?
O que sentimos, em abono da verdade, é que as pescas não são um sector aliciante para os jovens, porque, como dizia o Josué Marques, o trabalhador sai para o mar com salário zero e, se a pescaria correr mal, regressa com os bolsos vazios. Ninguém gosta de trabalhar sem receber.
As organizações de produtores deviam ser mais agressivas, protegerem o produto do seu trabalho e não alinhar no sistema que se encontra instalado. Onde está a rede de frio de que ouvimos falar há anos?
Por que razão não determinam os custos do seu produto, que devia ter por base o cálculo dos gastos em gasóleo, manutenção do barco, descontos para os organismos respectivos e outros, impondo que o seu pescado só possa ser vendido acima daquele preço?
Com toda a burocracia reinante, mais a fiscalização férrea, não é de admirar que o pescador, sempre que pode, faça contrabando do peixe que pescou, o venda na paralela, porque o sistema obriga a que se proceda dessa forma.
Como também não é de admirar que, por força das circunstâncias e do aliciamento com dinheiro fácil, tenhamos alguns pescadores transformados em traficantes de droga, trazendo do alto mar para terra este produto. A ocasião faz o ladrão.
Os deputados, as Câmaras Municipais e as Assembleias Municipais dos concelhos com tradições na pesca, devem debater profundamente este tema, sob pena de, num destes dias, as gaivotas que já tomaram de assalto os aterros sanitários, deixem definitivamente de voltar ao mar, porque já não há barcos que lhes atirem algumas sardinhas.
Há dois sectores morrendo à nossa volta – a pesca e a agricultura. A impotência em encontrar respostas, a falta de dinamismo para que possamos, já não digo exportar, mas, pelo menos, produzir para o nosso consumo interno.
Pensar o Algarve em todas as suas vertentes, como uma região de verdadeiro interesse nacional, é urgente, porque já se foi o Objectivo Um, muito por culpa nossa, passámos ao Objectivo Dois, mas nada fazemos para encarar esta nova realidade. Sem produzir, seremos sempre um país pobre.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
A pesca no Algarve, dentro de poucos anos, vai desaparecer por completo. É normal, em muitos colóquios e conversas que os partidos agora começaram a organizar, deixarmos de ouvir falar em pescas e agricultura, tudo se resumindo a turismo, comércio e construção.
São, por isso, duas actividades tradicionais desta terra à beira mar plantada com tendência para, lentamente, reduzir a sua actividade e ser engolidas pela voragem da especulação.
Como dizia Josué Marques, do Sindicato dos Pescadores, «quando a velhada saltar para terra, os barcos encostam».
Nada disto parece preocupar os dirigentes da classe política. As fábricas de conservas já abalaram, algumas embarcações de pesca continuam a sua faina, outras passaram para propriedade dos espanhóis, e, nós por cá, a ver o peixe passar e as infra-estruturas a definharem por não terem aplicação.
E na nossa frente temos tanto mar…
No princípio da semana, os pescadores manifestaram-se junto da Capitania do Porto de Portimão.
O comandante do porto aplica a chamada tolerância zero, sacudindo a água do capote, dizendo que as leis não foi ele que as fez e tem que as aplicar. Digamos que, nestas coisas do mar, há muito que se lhe diga, e toda a gente aponta para o excesso de zelo e para atitudes que quase tornam impraticável a pesca artesanal.
Lentamente, como quem não quer a coisa, a pesca artesanal vai morrendo, os barcos apodrecem na água, e os homens, cansados, deixam cair as lágrimas nas mãos comidas pelo sal.
Não há meio-termo, nem tão pouco um sistema de tolerância que possa educar os pescadores, dando-lhes conselhos.
O diálogo é a melhor forma de se chegar a um consenso e esse não foi conseguido. Resta aos pescadores unirem-se, levarem as suas mulheres para bordo, e partirem para o mar, desafiando as autoridades, porque no dia em que forem todos presos ou os barcos arrestados, porque não pagaram multas, talvez o Adamastor acorde e perceba quanto são necessários estes homens na faina, para que o deserto não comece no horizonte, onde passam os petroleiros.
A luta dos pescadores, perante as condições de pesca existentes, talvez tenha razão de ser. Por isso, os senhores deputados eleitos pelo Algarve deviam ter-se deslocado à manifestação, para falar directamente com as pessoas, perceber o que se passa. Afinal, os deputados são para defender as causas do Algarve ou não?
Não era uma boa altura para os deputados ficarem sensibilizados e interessarem-se de forma a sensibilizar o Governo, que já provou nada perceber das coisas do mar, nem de como estas funcionam, adaptando as leis à realidade deste tempo?
O que sentimos, em abono da verdade, é que as pescas não são um sector aliciante para os jovens, porque, como dizia o Josué Marques, o trabalhador sai para o mar com salário zero e, se a pescaria correr mal, regressa com os bolsos vazios. Ninguém gosta de trabalhar sem receber.
As organizações de produtores deviam ser mais agressivas, protegerem o produto do seu trabalho e não alinhar no sistema que se encontra instalado. Onde está a rede de frio de que ouvimos falar há anos?
Por que razão não determinam os custos do seu produto, que devia ter por base o cálculo dos gastos em gasóleo, manutenção do barco, descontos para os organismos respectivos e outros, impondo que o seu pescado só possa ser vendido acima daquele preço?
Com toda a burocracia reinante, mais a fiscalização férrea, não é de admirar que o pescador, sempre que pode, faça contrabando do peixe que pescou, o venda na paralela, porque o sistema obriga a que se proceda dessa forma.
Como também não é de admirar que, por força das circunstâncias e do aliciamento com dinheiro fácil, tenhamos alguns pescadores transformados em traficantes de droga, trazendo do alto mar para terra este produto. A ocasião faz o ladrão.
Os deputados, as Câmaras Municipais e as Assembleias Municipais dos concelhos com tradições na pesca, devem debater profundamente este tema, sob pena de, num destes dias, as gaivotas que já tomaram de assalto os aterros sanitários, deixem definitivamente de voltar ao mar, porque já não há barcos que lhes atirem algumas sardinhas.
Há dois sectores morrendo à nossa volta – a pesca e a agricultura. A impotência em encontrar respostas, a falta de dinamismo para que possamos, já não digo exportar, mas, pelo menos, produzir para o nosso consumo interno.
Pensar o Algarve em todas as suas vertentes, como uma região de verdadeiro interesse nacional, é urgente, porque já se foi o Objectivo Um, muito por culpa nossa, passámos ao Objectivo Dois, mas nada fazemos para encarar esta nova realidade. Sem produzir, seremos sempre um país pobre.
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.