quinta-feira, abril 03, 2008

Adiar a regionalização?

por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)

A Grande Área Metropolitana do Algarve (AMAL) tem os seus dias contados e tão pouco depois da proposta de lei que o Governo socialista leva a debate no próximo dia 18, os seus estatutos se coadunam com o que se passará a chamar de Comunidade Intermunicipal (CIM) para fins múltiplos.

O Governo apresenta uma proposta onde os municípios da Grande Lisboa e da Península de Setúbal integram a Área Metropolitana de Lisboa e os municípios do Grande Porto e de Entre-Douro e Vouga integram a Área Metropolitana do Porto, que irão ser reguladas por diploma própria. A Área Metropolitana do Algarve legalmente fica extinta.

Pela lógica, e porque o Algarve está inserido na NUT III, e visto a proposta de lei anunciar que «apenas as associações de municípios correspondentes a uma ou mais NUTS III serão consideradas parceiras do Governo em matéria de descentralização de competências e de participação na gestão do QREN, acautelando a necessidade de coerência e continuidade territoriais», todos os municípios irão fazer parte da nova associação, que receberá, certamente, o património da actual AMAL.

O Governo pretende avançar com um novo conceito de associativismo municipal, permitindo que os municípios se associem para fins múltiplos, e aqui apenas o poderão fazer numa associação, ou para fins específicos, podendo neste caso pertencer a mais do que uma associação.

Define o Governo, também, o modelo de governação das CIM, criando dois órgãos, o deliberativo, através da assembleia intermunicipal, que apenas se reúne duas vezes por ano, obrigatoriamente, e extraordinariamente nos termos definidos nos estatutos da CIM, e o conselho executivo, que é o órgão de direcção da CIM, composto por todos os presidentes de Câmara que elegem, entre si, um presidente e dois vice-presidentes.

Relativamente ao Algarve, pela sua inquestionável dimensão física bem definida, esta nova associação, denominada Comunidade Intermunicipal, tem muitas das características da AMAL, restando adaptar os seus novos estatutos à nova lei, como forma de poder ser parceira do Governo e não ficar marginalizada nas acções futuras que se adivinham para a região.

Será que o Governo quer ensaiar com este tipo de associativismo e pelas competências atribuídas a cada órgão, um adiar da regionalização?

Há que fazer uma leitura ao pormenor das competências atribuídas ao conselho executivo da Comunidade Intermunicipal, para perceber que muitas das linhas programáticas de uma futura regionalização estão ali inseridas.

Pode propor à assembleia intermunicipal a cobrança de impostos, propor ao Governo projectos e programas de investimento e desenvolvimento de alcance intermunicipal, elaborar planos intermunicipais de ordenamento do território e muitas outras acções que um futuro Governo regional terá competência para gerir.

Fica-se com a sensação, depois de olharmos para a proposta de lei do associativismo municipal, que o Governo pretende instituir um poder intermédio, com quem passa a dialogar, esvaziando, desta forma, uma futura regionalização do território.

Porque, a haver regiões administrativas, não tem cabimento, dentro do mesmo território, existirem dois poderes com capacidade intermédia para dialogar com o Governo central.

Afirma-se no preâmbulo da proposta de lei que «importa pois, por isso, que as associações de municípios possam ter um regime que lhes permita elevar a respectiva escala de intervenção, ao mesmo tempo que devem acompanhar a matriz de organização desconcentrada do Estado. O diálogo entre as estruturas desconcentradas do Estado e as associações de municípios passa a efectuar-se num patamar semelhante e sem desconformidades territoriais».

O Governo está a criar um interlocutor, tirando, nitidamente, margem de manobra para a criação das futuras regiões administrativas, onde o poder intermédio será gerido por eleitos a nível de região, com as consequências respectivas para os partidos.

Porque passam a existir eleitos de um e do outro lado, enquanto nas Comunidades Intermunicipais os eleitos são meramente locais.

Em 2009, dizem os partidos, pode ser feita a revisão da Constituição, apontando os regionalistas para que se retire a simultaneidade na criação das regiões.

Vamos mais longe: é importante que se crie a figura dos partidos regionais, com capacidade para concorrerem às eleições da sua região, porque, caso contrário, voltamos ao mesmo dilema – serão eleitos representantes dos partidos de cariz nacional, sempre constrangidos quando o Governo central coincidir com o regional.

Queremos maior abrangência e mais democracia participativa. Não pode haver cidadãos de primeira, os que estão nos partidos e alinham nesse tipo de corporativismo, e os restantes que, não pertencendo àquelas estruturas, não se podem candidatar a deputados.

Haja coragem para rever a lei dos partidos e a abertura aos cidadãos para se candidatarem a deputados nacionais e regionais.

NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 8,30 horas, com repetição às 13 e às 19 horas.