Consciência
por Hélder Nunes (jornalista e director do Barlavento)
«Isto é um peso na consciência colectiva e não me parece que possamos confiar apenas no Estado para resolver todos os problemas e inverter a tendência para o despovoamento. É preciso mobilizar as boas vontades de todos. Daqueles que têm, para ajudar aqueles que não têm» disse-nos Cavaco Silva, Presidente da República, no Algarve profundo. Na zona onde já só vive, na prática, gente da terceira idade, porque lhes falta as forças para fugir.
Quando o senhor Presidente afirma que isto é um «peso na consciência colectiva» quer culpar-nos a todos pelas políticas dos Governos que têm andado a governar este país, centralizado no Terreiro do Paço, esquecendo as realidades da periferia e as assimetrias que se foram cavando ao longo dos últimos anos.
Os técnicos, ou melhor, os cérebros ditos superiores, criaram regras fundamentalistas para as aldeias do interior, esquecendo a história e a vivência dessas povoações, proibindo-as de construir uma janela, aumentar um quarto para os filhos, de alterar fosse o que fosse para melhorar a qualidade de vida.
Nos tempos que correm, não é fácil fixar gente no interior se não existir o mínimo de condições. E a culpa não é colectiva, é da tacanhez de muitos técnicos e governantes, que não foram capazes de utilizar o bom senso e perceber que, sem perímetros de expansão numa pequena aldeia, sem melhoramentos, não há gente que queira lá morar.
Foram esses fundamentalistas que mataram as aldeias.
Somos apologistas do regresso às origens. Como respondeu António Sotero, de Montes Claro (Alentejo), a Cavaco Silva, quando este lhe perguntou como tinha conseguido aumentar o número de moradores: «é a coisa mais fácil do mundo. Ponha-lhe uma boa estrada, um bom centro social, uma viatura à porta para ir ao médico e repovoamos o interior».
A resposta é redonda, mas está lá alguma parte da solução. Construir bons acessos, colocar luz eléctrica e sempre que possível água canalizada, permitir o crescimento controlado das habitações, com índices de ocupação compatíveis com a aldeia, faz com que os jovens comecem a regressar.
E mais, são capazes de se dedicar à agricultura nos tempos livres e amanhar as terras paradas dos seus bisavós.
Se alguém tem um peso na consciência são os políticos, porque não foram capazes de conceber políticas que permitissem a diminuição das assimetrias, antes, fomentaram esse fosso entre interior e litoral.
Haja coragem de reconhecer que, só para citar, a reflorestação consequente dos incêndios, as indemnizações e toda uma política para agarrar as pessoas à terra, são meros enunciados e teorias que, na prática, não têm dado frutos.
Porquê? Pela estúpida burocracia que emperra tudo e por um vasto conjunto de incompetências que povoam a tal consciência nacional.
Mais recentemente, só para se perceber o peso da tal consciência, há uns inteligentes que resolveram colocar em cima das populações da zona do Alferce linhas de alta tensão.
O mesmo será dizer: vão-se embora porque a qualidade de vida vai piorar. Será que estes engenheiros de gabinete, cujos traços no mapa são feitos sem perceberem que por ali existe uma população, têm consciência?
Possivelmente têm, mas com um peso superior a uma tonelada, que lhes tolhe a clarividência e porque sabem que não lhes toca na sua casa nem em nenhum familiar.
Daí que a sua consciência individual, porque não colectiva, se está nas tintas para o bem comum e colectivo.
«Eu tomo notas, mas o poder executivo não é meu». Senhor Presidente da República, se na verdade anda pelo país em excursão tipo Inatel, apenas para retórica e discursos de ocasião, mais valia pedir às pessoas que fossem em romaria ao Palácio de Belém, pois sempre lhes proporcionava um passeio e até lhes podia oferecer uma noite de teatro e uma visita ao Oceanário ou ao Jardim Zoológico.
Se o Presidente da República não tem poder para corrigir o primeiro-ministro e apelar para que não sejam cometidos erros que prejudicam as populações, ou sugerir determinado tipo de políticas para que a desertificação não avance, o que podemos esperar de si e da sua consciência?
Senhor Presidente, não esqueça, o senhor é daqueles que tem e que pode ajudar aqueles que não têm. O povo espera isso de si!
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.
«Isto é um peso na consciência colectiva e não me parece que possamos confiar apenas no Estado para resolver todos os problemas e inverter a tendência para o despovoamento. É preciso mobilizar as boas vontades de todos. Daqueles que têm, para ajudar aqueles que não têm» disse-nos Cavaco Silva, Presidente da República, no Algarve profundo. Na zona onde já só vive, na prática, gente da terceira idade, porque lhes falta as forças para fugir.
Quando o senhor Presidente afirma que isto é um «peso na consciência colectiva» quer culpar-nos a todos pelas políticas dos Governos que têm andado a governar este país, centralizado no Terreiro do Paço, esquecendo as realidades da periferia e as assimetrias que se foram cavando ao longo dos últimos anos.
Os técnicos, ou melhor, os cérebros ditos superiores, criaram regras fundamentalistas para as aldeias do interior, esquecendo a história e a vivência dessas povoações, proibindo-as de construir uma janela, aumentar um quarto para os filhos, de alterar fosse o que fosse para melhorar a qualidade de vida.
Nos tempos que correm, não é fácil fixar gente no interior se não existir o mínimo de condições. E a culpa não é colectiva, é da tacanhez de muitos técnicos e governantes, que não foram capazes de utilizar o bom senso e perceber que, sem perímetros de expansão numa pequena aldeia, sem melhoramentos, não há gente que queira lá morar.
Foram esses fundamentalistas que mataram as aldeias.
Somos apologistas do regresso às origens. Como respondeu António Sotero, de Montes Claro (Alentejo), a Cavaco Silva, quando este lhe perguntou como tinha conseguido aumentar o número de moradores: «é a coisa mais fácil do mundo. Ponha-lhe uma boa estrada, um bom centro social, uma viatura à porta para ir ao médico e repovoamos o interior».
A resposta é redonda, mas está lá alguma parte da solução. Construir bons acessos, colocar luz eléctrica e sempre que possível água canalizada, permitir o crescimento controlado das habitações, com índices de ocupação compatíveis com a aldeia, faz com que os jovens comecem a regressar.
E mais, são capazes de se dedicar à agricultura nos tempos livres e amanhar as terras paradas dos seus bisavós.
Se alguém tem um peso na consciência são os políticos, porque não foram capazes de conceber políticas que permitissem a diminuição das assimetrias, antes, fomentaram esse fosso entre interior e litoral.
Haja coragem de reconhecer que, só para citar, a reflorestação consequente dos incêndios, as indemnizações e toda uma política para agarrar as pessoas à terra, são meros enunciados e teorias que, na prática, não têm dado frutos.
Porquê? Pela estúpida burocracia que emperra tudo e por um vasto conjunto de incompetências que povoam a tal consciência nacional.
Mais recentemente, só para se perceber o peso da tal consciência, há uns inteligentes que resolveram colocar em cima das populações da zona do Alferce linhas de alta tensão.
O mesmo será dizer: vão-se embora porque a qualidade de vida vai piorar. Será que estes engenheiros de gabinete, cujos traços no mapa são feitos sem perceberem que por ali existe uma população, têm consciência?
Possivelmente têm, mas com um peso superior a uma tonelada, que lhes tolhe a clarividência e porque sabem que não lhes toca na sua casa nem em nenhum familiar.
Daí que a sua consciência individual, porque não colectiva, se está nas tintas para o bem comum e colectivo.
«Eu tomo notas, mas o poder executivo não é meu». Senhor Presidente da República, se na verdade anda pelo país em excursão tipo Inatel, apenas para retórica e discursos de ocasião, mais valia pedir às pessoas que fossem em romaria ao Palácio de Belém, pois sempre lhes proporcionava um passeio e até lhes podia oferecer uma noite de teatro e uma visita ao Oceanário ou ao Jardim Zoológico.
Se o Presidente da República não tem poder para corrigir o primeiro-ministro e apelar para que não sejam cometidos erros que prejudicam as populações, ou sugerir determinado tipo de políticas para que a desertificação não avance, o que podemos esperar de si e da sua consciência?
Senhor Presidente, não esqueça, o senhor é daqueles que tem e que pode ajudar aqueles que não têm. O povo espera isso de si!
NOTA: Os comentários de Hélder Nunes são emitidos todas as quintas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.