quinta-feira, abril 13, 2006

Das arcas das avós para os corpos das amigas

por Anabela Martins (psicóloga e gestora do sector cooperativo)

Da última vez que estivemos a conversar, ou melhor, que eu tentei conversar convosco, falava-vos da questão das tradições e se é ou não interessante para nós que vivemos na zona da serra ou mais no litoral, os outros, que nos nossos jovens, os nossos filhos, os nossos familiares possam ter noção de que tipo de tradições e da nossa parte genuína, quer ao nível das agro-alimentares, quer ao nível do artesanato.

Os jovens nesta sociedade global são facilmente desafiados por informações e imagens que aparecem, nomeadamente, na net. Mas muitos deles, e infelizmente, não têm consciência de que na sua terra, na sua zona, no local onde nasceu o seu pai ou o seu avô haviam pessoas que faziam determinados tipos de, por exemplo, toalhas que serviam para limpar, imaginemos, antigamente as nossas mãos, a nossa cara. Toalhas em linho que hoje foram substituídas pela invasão do turco!

Mais importante do que isso, é que essas toalhas de linho guardadas em arcas poderão aparecer vestidas, imaginem, sim vestidas nas colegas de liceu destes jovens, dos nossos filhos, dos nossos netos, e ele não irá reconhecer nessa peça de roupa as toalhas guardadas na arca da sua avó. Aliás, algumas dessas toalhas que serviram para acompanhar a vela do baptizado!

Este é apenas um pequeno exemplo, das toalhas antigas bordadas à mão que são postas à mesa na altura do Natal, na Páscoa ou em outras festividades ou de outros tipos de têxtil-lar que podem a aparecer vestidos nos corpos das colegas, das amigas. E, isso sim, se os jovens soubessem que poderiam ter saído, saltado das arcas das avós ficariam muito mais interessados e até quisessem saber como é que eram feitos esses tecidos, como é que era possível vestirem os rapazes umas calças feitas naquele linho que antigamente servia para as sacas de meter o trigo...

Que, afinal, é um tecido espectacular, cuja resistência permite que andem de skate ou que façam outro tipo de actividades radicais aguentando às vezes mais ainda que a própria ganga. Bom, estes pormenores levam-nos a pensar que é possível fazer moda em cima das nossas tradições da nossa serra!

O que eu pretendo mesmo é conseguir motivar, fazer um desafio a esses jovens que estão completamente integrados nas escolas e que usam as novas tecnologias, alguns dos quais têm tios, avós, outros familiares que são artesãos que fizeram toalhas, que fazem cestaria ou outro tipo de coisas, para criarem e desenharem peças e a seguir entregarem ao seu avô, dizendo-lhe "oh avô, faz lá este fato que eu gostava de vesti-lo na minha colega!", nem que seja em último caso para desfilarem na Feira da Serra de Tavira.


É um desafio que eu vos deixo, continuarei a dar novos pormenores sobre estas tendências de moda que vão beber às técnicas tradicionais dos nossos avós, à nossa cultura algarvia, à nossa cultura popular!

NOTA: Os comentários de Anabela Martins são emitidos todas as quintas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.