quarta-feira, junho 07, 2006

Um passo atrás no esbater das assimetrias

por Fernando Reis (professor e director do Jornal do Algarve)

Enquanto na margem espanhola cresce um gigantesco projecto imobiliário-turístico que transformará a zona numa urbe com mais de 20 mil habitantes, quase em frente, na margem direita, um Estudo de Impacto Ambiental - EIA, acaba de chumbar a construção de um resort de seis estrelas com golfe, "Corte Velho", no Azinhal, que pretendia ser um exemplo em matéria de conciliação da actividade turística com a preservação do ambiente envolvente, tinha sido aprovado pela Comissão de Coordenação Regional - CCDR e pela Câmara Municipal de Castro Marim e prevê, apenas, a implantação de 2600 camas.

O chumbo do EIA considera que não estão suficientemente salvaguardadas algumas espécies, como a azinheira, que se trata de uma zona sensível da Rede Natura 2000 e que não está suficientemente claro quais serão os recursos hídricos a utilizar na rega do golfe. Estes são, efectivamente, argumentos que, numa perspectiva de equilíbrio dos ecossistemas e de escassez de água têm a sua força.

Mas o que é difícil de entender é que sejamos só nós a ter que respeitar - muitas vezes de um modo que roça mesmo o fundamentalismo - directivas ambientais que são comunitárias, enquanto os espanhóis, na outra margem fazem tudo o que lhes dá na "gana".

E se em termos de investimento esta disparidade privilegia o crescimento económico dos municípios espanhóis em detrimento dos nossos, cavando ainda mais as assimetrias existentes, em termos ambientais não se percebe a tolerância da União Europeia a propósito destes desmandos nem a passividade das autoridades portuguesas que aceitam e alinham nesta dualidade de procedimentos.

Até agora, não temos conhecimento de qualquer protesto e muito menos denúncia, pelo facto de os espanhóis, no mesmo contexto ecológico, poderem fazer aquilo que nos está vedado. Mas mesmo analisando o problema apenas numa perspectiva interna, também não é fácil compreender que nas proximidades daquele projecto - em zona de serra ou no litoral - outros de dimensão e características semelhantes avancem com parecer ambiental favorável porque são considerados PIN - Projectos de Interesse Nacional, quando este que foi chumbado representa um investimento de cerca de 200 milhões de euros e pretendia, inclusive, vir a obter o título "Gold Signature Sanctuary Resort Certification" que o distinguiria como um empreendimento preocupado com a sustentabilidade e conservação da natureza.

Relativamente à questão da água para a rega do golfe, efectivamente um problema pertinente que o nosso Jornal tem levantado por várias vezes, surpreende-nos que só relativamente a este empreendimento se queira saber onde é que se vai buscar a água, quando esse é um problema que já se coloca ao conjunto dos campos de golfe do Algarve, que no seu conjunto consomem anual-mente 9,5 milhões de metros cúbicos de água potável, o equivalente ao consumo médio anual de 30 por cento da população algarvia.

Actualmente, 95 por cento dos golfes existentes abastecem-se a partir de furos próprios que ou estão à beira do esgotamento ou com altos índices de salinização. A questão da água não é, por conseguinte, só um problema do resort "Corte Velho" mas da generalidade dos golfes e a sua solução terá que passar, forçosamente, pela reutilização das águas residuais, através de um tratamento terciário.

O desafio do desenvolvimento passa pela nossa capacidade em aproveitar, de uma forma coerente e sustentada, as potencialidades existentes numa lógica de preservação ambiental que saiba integrar o Homem e não exclua o progresso. A inviabilização do "Corte Velho" significará um grande revés no desenvolvimento turístico de um concelho pobre e um passo atrás no pretendido esbater de assimetrias entre sotavento e barlavento.

NOTA: Os comentários de Fernando Reis são emitidos todas as quartas-feiras, às 9 horas, com repetição às 15 e às 21 horas.