segunda-feira, junho 12, 2006

As Festas de Junho

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

O mês de Junho já começava a cheirar a Verão. Via-se o fim das aulas perto e as possibilidades de ir aos bailes da Maragota, além de ir ao cinema todos os dias (à excepção da segunda-feira, claro).

O Santo António era o princípio dos santos populares a que se seguiam Santo António e S. Pedro. Era o cheiro a murta dos mastros, era o cheiro a terra molhada do largo das festas (para evitar o pó molhava-se a terra do largo do baile), era o barulho da música, naqueles altifalantes de corneta, que se ouvia a quilómetros, com um som muito agudo e insuportável, mas que cheirava a festa. Era a Festa da minha aldeia.

O Santo António era a primeira festa e ainda não muito empolgante. O S. Pedro era para cumprir calendário. É o Santo Popular cuja festa não entusiasma ninguém. Mas o S. João era a grande festa. Há cerca de quarenta anos, Tavira viva uma verdadeira festa popular. Da Rua do Malfôr, ao Alto de S. Brás, os vizinhos conviviam, havia bailaricos, confraternização, festa. O São João em Tavira era a única e verdadeira festa popular que por aqui se celebrava. Depois do 25 de Abril ainda se manteve durante alguns anos. Houve experiências desastrosas, como a dos concursos de rua. Houve excesso de intervenção da autarquia, na minha opinião.

De há dez anos para cá a coisa tem vindo a morrer. Primeiro porque a ideia de bairro tem vindo a desaparecer. Já não há o contraste entre zonas da cidade ou espírito de comunidade que havia. As pessoas já não são do Alto e S. Brás, ou do Largo dos Postigo. O Bairro Jara já não é o que era. O Pombal já não marca uma zona. Por outro lado, deixou de haver empenhamento do poder político. Tentou-se importar uma festa, o Carnaval, que nada diz aos tavirenses e aí, penso, se investiu em excesso, em entusiasmo (de poucos) e em meios. Mas nada daí resultou. Há coisas que estão votadas ao fracasso, sem que achemos justificação para tal. O caso do carnaval, por exemplo.

Digo-o (talvez com saudosismo) que gostava do S. João que conheci em Tavira. As sardinhadas, as pipas de vinho, a música. Não gosto (nem gosto em absoluto) do Carnaval. Manias...


NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.

3 Comments:

Blogger Unknown said...

E as noitadas no Orfeão ou no Largo do Postigo?! Ou no Alto de Santana, mais recentemente?! Eram outros tempos...

7:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Aberrações

por Vasco Pulido Valente, in Público, 2006.06.16

Lisboa tinha bairros quando acabava no Marquês de Pombal ou, em rigor em S. Sebastião da Pedreira: no começo de Salazar, no tempo Beatriz Costa e Vasco Santana, da comédia portuguesa "clássica" e do manjerico. Ainda conheci, em pequeno, essa Lisboa, em que as "celebridades" da literatura e da política (da oposição, claro), sob o olho da PIDE, se reuniam à tarde na livraria Bertrand, na Sá da Costa e na Brasileira para preparar o futuro da Pátria. Depois da guerra, essa Lisboa foi submergida. O Areeiro, a Av. de Roma e Alvalade não eram bairros, como aliás tudo o que por toda a parte se fez depois. Já ninguém se dizia (ou sentia) da Madragoa ou de Carnide, e menos da Quinta disto ou daquilo com que a construção civil meticulosamente cobriu a cidade. Deixaram de existir comunidades distintas dentro de Lisboa e com elas desapareceu a vizinhança e o convívio, donde nasciam as marchas populares.
Não valeria a pena repetir a evidência, se a câmara não andasse no outro mundo ou, mais precisamente, no mundo em que se mata por um voto. Segunda-feira, às sete horas da tarde, a polícia cortou a circulação entre o Marquês de Pombal e o Rossio e, como seria de esperar, criou um enorme engarrafamento, de que o cidadão ingénuo ou distraído não pôde fugir e que sofreu com a humilde e melancólica resignação indígena. O que se passava? Ora muito bem: as marchas de Santo António, como se o país continuasse em 1930, e a cidade inteira não estivesse a passear pelo Brasil, pela Alemanha ou pelo Algarve. Em princípio, parece que a câmara não devia dispor de Lisboa como coisa sua. Lisboa é dos lisboetas, não é da câmara e nada lhe permite fechar um parque, uma rua ou um largo para propósitos que a maioria da população não partilha. Mas suponho que se trata aqui de uma subtileza insusceptível de entrar no crânio do eng. Carmona.
De resto, o eng. Carmona só precisou de umas centenas de metros a meio da Av. da Liberdade (calculo que para disfarçar o fiasco). Entre o monumento aos mortos da I Grande Guerra e uma bancada no passeio da frente, as marchas lá exibiram o seu número, com uma profunda, sufocante, irredimível tristeza. O público, muito pouco, batia umas palmas desanimadas. Nem sombra de entusiasmo ou de alegria. Desafinação geral, coreografias de museu, guarda-roupa caríssimo, que a câmara, através da juntas, com certeza pagou. Numa noite, o eng. Carmona mostrou como se governa em Portugal: com prepotência, com ignorância e sem o mais leve sentido da realidade.

10:50 da manhã  
Blogger Unknown said...

Pois, parece que o VPV está atento á evolução da sociedade e das cidades, é pena que nem toda a gente esteja sintonizada e cometa certas... Enfim!

10:52 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home