As Festas de Junho
por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)
O mês de Junho já começava a cheirar a Verão. Via-se o fim das aulas perto e as possibilidades de ir aos bailes da Maragota, além de ir ao cinema todos os dias (à excepção da segunda-feira, claro).
O Santo António era o princípio dos santos populares a que se seguiam Santo António e S. Pedro. Era o cheiro a murta dos mastros, era o cheiro a terra molhada do largo das festas (para evitar o pó molhava-se a terra do largo do baile), era o barulho da música, naqueles altifalantes de corneta, que se ouvia a quilómetros, com um som muito agudo e insuportável, mas que cheirava a festa. Era a Festa da minha aldeia.
O Santo António era a primeira festa e ainda não muito empolgante. O S. Pedro era para cumprir calendário. É o Santo Popular cuja festa não entusiasma ninguém. Mas o S. João era a grande festa. Há cerca de quarenta anos, Tavira viva uma verdadeira festa popular. Da Rua do Malfôr, ao Alto de S. Brás, os vizinhos conviviam, havia bailaricos, confraternização, festa. O São João em Tavira era a única e verdadeira festa popular que por aqui se celebrava. Depois do 25 de Abril ainda se manteve durante alguns anos. Houve experiências desastrosas, como a dos concursos de rua. Houve excesso de intervenção da autarquia, na minha opinião.
De há dez anos para cá a coisa tem vindo a morrer. Primeiro porque a ideia de bairro tem vindo a desaparecer. Já não há o contraste entre zonas da cidade ou espírito de comunidade que havia. As pessoas já não são do Alto e S. Brás, ou do Largo dos Postigo. O Bairro Jara já não é o que era. O Pombal já não marca uma zona. Por outro lado, deixou de haver empenhamento do poder político. Tentou-se importar uma festa, o Carnaval, que nada diz aos tavirenses e aí, penso, se investiu em excesso, em entusiasmo (de poucos) e em meios. Mas nada daí resultou. Há coisas que estão votadas ao fracasso, sem que achemos justificação para tal. O caso do carnaval, por exemplo.
Digo-o (talvez com saudosismo) que gostava do S. João que conheci em Tavira. As sardinhadas, as pipas de vinho, a música. Não gosto (nem gosto em absoluto) do Carnaval. Manias...
NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.
O mês de Junho já começava a cheirar a Verão. Via-se o fim das aulas perto e as possibilidades de ir aos bailes da Maragota, além de ir ao cinema todos os dias (à excepção da segunda-feira, claro).
O Santo António era o princípio dos santos populares a que se seguiam Santo António e S. Pedro. Era o cheiro a murta dos mastros, era o cheiro a terra molhada do largo das festas (para evitar o pó molhava-se a terra do largo do baile), era o barulho da música, naqueles altifalantes de corneta, que se ouvia a quilómetros, com um som muito agudo e insuportável, mas que cheirava a festa. Era a Festa da minha aldeia.
O Santo António era a primeira festa e ainda não muito empolgante. O S. Pedro era para cumprir calendário. É o Santo Popular cuja festa não entusiasma ninguém. Mas o S. João era a grande festa. Há cerca de quarenta anos, Tavira viva uma verdadeira festa popular. Da Rua do Malfôr, ao Alto de S. Brás, os vizinhos conviviam, havia bailaricos, confraternização, festa. O São João em Tavira era a única e verdadeira festa popular que por aqui se celebrava. Depois do 25 de Abril ainda se manteve durante alguns anos. Houve experiências desastrosas, como a dos concursos de rua. Houve excesso de intervenção da autarquia, na minha opinião.
De há dez anos para cá a coisa tem vindo a morrer. Primeiro porque a ideia de bairro tem vindo a desaparecer. Já não há o contraste entre zonas da cidade ou espírito de comunidade que havia. As pessoas já não são do Alto e S. Brás, ou do Largo dos Postigo. O Bairro Jara já não é o que era. O Pombal já não marca uma zona. Por outro lado, deixou de haver empenhamento do poder político. Tentou-se importar uma festa, o Carnaval, que nada diz aos tavirenses e aí, penso, se investiu em excesso, em entusiasmo (de poucos) e em meios. Mas nada daí resultou. Há coisas que estão votadas ao fracasso, sem que achemos justificação para tal. O caso do carnaval, por exemplo.
Digo-o (talvez com saudosismo) que gostava do S. João que conheci em Tavira. As sardinhadas, as pipas de vinho, a música. Não gosto (nem gosto em absoluto) do Carnaval. Manias...
NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.
E as noitadas no Orfeão ou no Largo do Postigo?! Ou no Alto de Santana, mais recentemente?! Eram outros tempos...
Aberrações
por Vasco Pulido Valente, in Público, 2006.06.16
Lisboa tinha bairros quando acabava no Marquês de Pombal ou, em rigor em S. Sebastião da Pedreira: no começo de Salazar, no tempo Beatriz Costa e Vasco Santana, da comédia portuguesa "clássica" e do manjerico. Ainda conheci, em pequeno, essa Lisboa, em que as "celebridades" da literatura e da política (da oposição, claro), sob o olho da PIDE, se reuniam à tarde na livraria Bertrand, na Sá da Costa e na Brasileira para preparar o futuro da Pátria. Depois da guerra, essa Lisboa foi submergida. O Areeiro, a Av. de Roma e Alvalade não eram bairros, como aliás tudo o que por toda a parte se fez depois. Já ninguém se dizia (ou sentia) da Madragoa ou de Carnide, e menos da Quinta disto ou daquilo com que a construção civil meticulosamente cobriu a cidade. Deixaram de existir comunidades distintas dentro de Lisboa e com elas desapareceu a vizinhança e o convívio, donde nasciam as marchas populares.
Não valeria a pena repetir a evidência, se a câmara não andasse no outro mundo ou, mais precisamente, no mundo em que se mata por um voto. Segunda-feira, às sete horas da tarde, a polícia cortou a circulação entre o Marquês de Pombal e o Rossio e, como seria de esperar, criou um enorme engarrafamento, de que o cidadão ingénuo ou distraído não pôde fugir e que sofreu com a humilde e melancólica resignação indígena. O que se passava? Ora muito bem: as marchas de Santo António, como se o país continuasse em 1930, e a cidade inteira não estivesse a passear pelo Brasil, pela Alemanha ou pelo Algarve. Em princípio, parece que a câmara não devia dispor de Lisboa como coisa sua. Lisboa é dos lisboetas, não é da câmara e nada lhe permite fechar um parque, uma rua ou um largo para propósitos que a maioria da população não partilha. Mas suponho que se trata aqui de uma subtileza insusceptível de entrar no crânio do eng. Carmona.
De resto, o eng. Carmona só precisou de umas centenas de metros a meio da Av. da Liberdade (calculo que para disfarçar o fiasco). Entre o monumento aos mortos da I Grande Guerra e uma bancada no passeio da frente, as marchas lá exibiram o seu número, com uma profunda, sufocante, irredimível tristeza. O público, muito pouco, batia umas palmas desanimadas. Nem sombra de entusiasmo ou de alegria. Desafinação geral, coreografias de museu, guarda-roupa caríssimo, que a câmara, através da juntas, com certeza pagou. Numa noite, o eng. Carmona mostrou como se governa em Portugal: com prepotência, com ignorância e sem o mais leve sentido da realidade.
Pois, parece que o VPV está atento á evolução da sociedade e das cidades, é pena que nem toda a gente esteja sintonizada e cometa certas... Enfim!