segunda-feira, setembro 25, 2006

Agricultura e desligamento

por Carlos Lopes (advogado, benfiquista e animador cultural)

Já toda a gente sabe que ninguém está interessado na agricultura. A União Europeia, o Governo e muitos agricultores. A agricultura tradicional já deu o que tinha a dar. António Campos, ex eurodeputado, num esclarecedor livrinho, vem pôr o dedo da ferida e alertar para a situação. Meia dúzia de agricultores portugueses recebem a maioria dos subsídios, o dinheiro que se gasta nada tem a ver com a possível produção.

Tive uma experiência engraçada. Um dia fui procurado por um cliente amigo, alarmado, que não sabia o que fazer. Tinha detectado que um terreno seu tinha sido incluído por um outro agricultor numa área candidata a um subsídio. Ora em tal terreno nunca tinha havido qualquer tipo de sementeira de trigo feita por esse agricultor, tal terreno era desse meu cliente e nunca tinha sido semeado. Pensando que se tratava de uma burla para obtenção de subsídios e que o seu nome podia vir a estar envolvido, pediu-me para o acompanhar a Lisboa, onde fomos ao organismo responsável pela atribuição dos subsídios e o seu controlo. Aí e na minha presença, lá o meu cliente foi explicando, gaguejando, o que tinha descoberto, que tal comportamento não tinha qualquer tipo de apoio nem mereceu qualquer tipo de autorização da sua parte e que era alheio àquela burla. O técnico que nos atendeu ouviu atentamente e, no final, descansou o meu cliente. Disse ele que eram feitas fiscalizações, por amostragem e via aérea, dos terrenos candidatos a subsídios para a sementeira de trigo. Desde que na tal amostragem aleatória se visse que o trigo tinha sido semeado, tudo bem. Não interessava se o trigo havia crescido ou dado frutos. O subsídio estava garantido.

Naquele caso, a fotografia aérea não tinha sido feita àquele terreno, pelo que o candidato se tinha “safado”. Mas ao departamento era-lhe indiferente, mesmo que se tivesse feito a fiscalização, que o trigo estivesse em condições ou que se tivesse soltado lá uma manada de vacas ou uma vara de porcos. Desde que tivesse sido semeado, tudo bem.

A esta política se designa desligamento. Ao agricultor deve ser possibilidade de atingir um rendimento que havia obtido antes, quer produza quer não. Por isso, a minha afirmação inicial. Ninguém se interessa pela agricultura.


NOTA: Os comentários de Carlos Lopes são emitidos todas as segundas-feiras, às 11 horas, com repetição às 17 e às 23 horas.